Pesquisa da Uece analisa impacto dos ansiolíticos na vida das mulheres

1 de fevereiro de 2018 - 17:31 # # #

Adriana Rodrigues - Jornalista
85 3101-9606 / 3101-9605 - Uece

“Uso abusivo de drogas benzodiazepínicas na atenção à saúde mental: um estudo sobre a vulnerabilidade e a subjetividade feminina”. Esse é título do projeto de pesquisa desenvolvido por pesquisadores do Laboratório de Psicanálise da Universidade Estadual do Ceará (Uece), que avalia o impacto do uso abusivo de ansiolíticos na vida das mulheres.

O trabalho, que tem como foco o estudo da ansiedade, é coordenado pela professora Lia Silveira, do curso de Psicologia, e conta com a colaboração dos professores do Programa de Pós-Graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde (PPCLIS), Maria Rocineide Ferreira da Silva e Paulo César de Almeida, e de estudantes de Mestrado e Doutorado. O projeto conta ainda com o apoio da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap).

Os benzodiazepínicos estão entre os medicamentos mais usados no mundo e, de acordo com a coordenadora do estudo, Lia Silveira, o uso contínuo desse tipo de medicamento tem alto poder de causar dependência. A partir de três meses de utilização, o risco aumenta em 10% e a partir de 12 meses as chances do paciente se tornar dependente da substância aumentam em 40%. Dessa forma, Lia alerta que, em longo prazo, os benzodiazepínicos apresentam mais riscos do que benefícios e a pesquisa aponta que o tempo de uso entre as mulheres é bem superior a 12 meses, ficando entre oito e nove anos, em média.

A fase quantitativa da pesquisa colheu dados de 520 mulheres de Fortaleza atendidas pela rede básica de saúde. Dentre elas, 12 se dispuseram a participar da fase qualitativa do estudo, que consistiu em uma entrevista através da qual, a partir dos dados coletados, a equipe descobriu que os motivos que culminam na prescrição envolviam situações como perdas familiares ou exposição a situações de violência, por exemplo. A pesquisa revelou ainda que, quando o uso de ansiolíticos se dá por tristeza ou perdas, a maioria das mulheres utiliza esses fármacos por mais de dois anos.

Para a pesquisadora, as queixas apresentadas pelas entrevistadas não se configuram necessariamente como doenças ou transtornos e não deveriam ser tratados com esse tipo de fármaco. Dessa forma, o tratamento oferecido pelo serviço de saúde para esses quadros precisa apostar em terapêuticas que vão além do uso de medicamentos, como “espaços pautados na circulação da palavra, onde essas mulheres pudessem falar e elaborar formas de lidar com o que as aflige”.

Lia revela que o perfil das mais atingidas pelo uso abusivo de ansiolíticos é formado por pessoas com idade média entre 40 e 53 anos, solteiras, com filhos, baixa escolaridade e sem trabalho formal. Além disso, dentre as mulheres ouvidas pela equipe, 55% não trabalham e mais de 76% têm renda familiar inferior a dois salários mínimos. A pesquisadora afirma que esse perfil está ainda mais susceptível por conta das condições socioeconômicas e da falta de acesso a outros recursos, como terapias baseadas na escuta e/ou medicamentos de última geração com menos efeitos colaterais, pois esses tratamentos não estão disponíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Para ela, a ênfase na terapêutica medicamentosa se dá por conta do “casamento da ciência moderna com os pressupostos do mundo capitalista”. Nesse sentido, a pesquisadora afirma que, a partir de uma lógica positivista, o sofrimento, que faz parte da experiência humana, passa a ser visto como algo que não deve existir e precisa ser eliminado. É nesse contexto que entram os fundamentos capitalistas baseados na produção e oferta, criando a necessidade de consumo.

Dessa forma, medicamentos como os ansiolíticos surgem como uma mercadoria com promessa de felicidade, escondendo o mal-estar do sujeito e deixando pouco espaço para que cada um invente formas de intervir diante da realidade que o aflige. “No final das contas o que temos não é alguém com menos sofrimento, mas pessoas dependentes da substância para enfrentar a vida”, afirma.

Na busca por resultados imediatos, terapias que não priorizam o uso de medicamentos, como a escuta, são secundarizadas. Ela lembra que as políticas públicas não podem estar a serviço da indústria farmacêutica que, segundo dados da Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias (Abrafarma), teve um aumento de 8,8% no faturamento entre janeiro e novembro de 2017.

Lia ressalta ainda que a formação dos profissionais de saúde “enfatiza o curativismo e uma noção biologicista do sofrimento”, o que contribui para que eles priorizem o uso de benzodiazepínicos para tratar pessoas com problemas psíquicos. Ela afirma que a formação desses profissionais precisa ir além do “modelo medicalizador”, para que eles disponham de recursos que possibilitem tratamentos mais humanizados. A professora afirma que o SUS deveria fornecer para a população as mesmas possibilidades de acesso aos recursos, incluindo tratamentos alternativos ao uso de medicamentos.

Diante dos resultados da pesquisa, Lia afirma que é preciso refletir sobre a realidade dessas pessoas. Para ela, a medicalização do sofrimento dessas mulheres não pode ser a única forma de terapia, pois elas precisam encontrar formas de lidar com a realidade vivenciada.

 

Fonte: Uece, com informações da Funcap

Sugestão para entrevistas: Professora Lia Silveira, coordenadora da pesquisa – 85 98787-1973