Residências Inclusivas mudam perspectiva de vida de 69 jovens e adultos com deficiência cognitiva

8 de outubro de 2020 - 16:50 # # # #

Camille Soares - Ascom SPS - Texto
Sheyla Castelo Branco - Fotos

As Residências Inclusivas trouxeram novas possibilidades para 69 jovens e adultos com deficiência cognitiva. Há dois anos, o Estado do Ceará iniciou um novo formato de acolhimento, possibilitando novas perspectivas para essas pessoas que vêm mostrando mudanças significativas a partir do convívio em comunidade. Oriundos do extinto Abrigo Desembargador Olívio Câmara (Adoc), os jovens hoje moram nas Residências, equipamentos do Governo do Estado, administrados pela Secretaria da Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos, que muito mais do que casas são espaços de pertencimento e aconchego.

Divididas em cinco casas, as residências contam, cada uma, com equipe multidisciplinar composta por médico, assistente social, psicólogo, terapeuta ocupacional, enfermeiros e cuidadores em regime de plantão. “A política pública para pessoa com deficiência em situação de vulnerabilidade passou por mudanças grandes e definitivas no País. O Ceará acompanhou isso com a transformação do abrigamento institucional. E é muito gratificante hoje olharmos a evolução dos homens e mulheres que residem nas nossas instituições. Saber que demos condições mais dignas e ofertamos possibilidades de que eles reconheçam e explorem suas potencialidades”, observa a titular da SPS, Socorro França.

Érika Mesquita é psicóloga nas residências I e II. “Eles não são só pacientes. Nós formamos uma família, e isso só é possível porque estabelecemos uma relação que passa pelo cuidado e pelo afeto. Nossa atuação é também muito voltada para que eles tenham um convívio social com a comunidade ao redor. Antes da pandemia nós sempre saíamos até a praça mais próxima, para fazer caminhadas matinais que permitissem a eles sentir que pertencem àquele lugar, e assim desenvolver novas percepções de afetividade com o espaço que ocupam”, pontua a psicóloga.

Alisson (29) conseguiu superar os maus tratos e abandono sofridos na infância com o apoio e acompanhamento diário da equipe das residências. A limitação da fala e os poucos movimentos do corpo relacionados à paralisia cerebral não conseguiram deter sua força de vontade para aprender a ler, fazer cálculos, estudar outra língua e tentar uma faculdade. Em situação de abrigamento desde 2009, Alisson sempre teve interesse pela leitura e sempre foi muito curioso.

Dividindo a mesa de estudos com Alisson, Vitor (24) também acredita que pode ser o que quiser e se divide entre os estudos para a prova do Enem e a caixinha de som que leva sempre consigo. Fã de Beyoncé e da música pop, ele transborda alegria. O menino que muito cedo foi morar em abrigo institucional, veio de Juazeiro do Norte e até hoje fala com saudade dos irmãos que ficaram por lá. A terapeuta ocupacional, Úrsula Feitosa, conta que o desejo de Vitor é um dia poder ajudar a mãe e reencontrar os dois irmãos.

“Sempre que há possibilidade, nós estimulamos esse contato com a família”, explica Úrsula, lembrando que os jovens acolhidos estão em processo de autoconsciência, de se perceber e entender que podem conversar sobre suas frustrações. “Trabalhamos muito a autonomia a partir de alguns métodos, como a escala de atividades, na qual eles se dividem entre os cuidados com a casa e com a Lua, a cadelinha que adotamos recentemente e que tem feito muito bem para eles”, completa  a terapeuta.

A cadelinha Lua é a mascote da casa. Adotada no Abrigo São Lázaro, ela foi escolhida por Tiago. Tiago chegou ao sistema de abrigamento do Estado com apenas quatro anos, cheio de traumas que acabaram por contribuir para que ele se tornasse arredio aos vínculos afetivos. “Nos últimos dois anos, percebemos uma mudança impressionante no Fabrício. Hoje ele demonstra afeto, abraça com muita espontaneidade. É tocante ver o carinho que ele dedica à Lua, e entender como isso tem ligação direta com a evolução pessoal dele”, expõe a terapeuta.

A coordenadora da Proteção Social Especial da SPS, Mônica Gondim, ressalta que as mudanças no comportamento dos jovens são notáveis e que o convívio com a comunidade ao redor da casa vêm transformando e ampliando a visão de mundo deles.

Ter migrado do Adoc para este novo formato de acolhimento mais humanizado e acolhedor foi um divisor de águas nas políticas públicas voltadas para pessoas com deficiência no Estado do Ceará. Isso tem trazido muitos benefícios para os acolhidos, que passaram do simples existir para  uma vida com mais cor, ar livre, vizinhos, idas ao supermercado, passeios e caminhadas pelo bairro, dentre muitas outras atividades que trouxeram dignidade e liberdade para que sigam trilhando no caminho da busca por autonomia e desenvolvimento pessoal e coletivo”, completa.

Cuidar de um é cuidar de toda a casa

Coordenadora das residências I e II, Patrícia Parente, explica que o trabalho é feito pensando no grupo de residentes. Se dentro da casa, um não está bem, afeta todos os outros como um efeito dominó. “Nós desenvolvemos dinâmicas de grupo e temos alcançado respostas muito positivas”, conta a coordenadora, orgulhosa ao lembrar de Fábio, um dos meninos da residência I, que recentemente entrou no mercado de trabalho. “Eu fico muito orgulhosa de ver ele assumindo esse compromisso com tanta seriedade”, conta a coordenadora.

As residências III e IV também trazem histórias de evolução. A psicóloga das duas unidades, Naira Castelo Branco, conta como esse processo de  inserção social tem refletido positivamente na resposta deles aos estímulos externos. “Depois que passamos a ter esse contato mais próximo, conseguimos criar um vínculo mais forte e de confiança com eles”, explica Naira, lembrando que a interação com a vizinhança também trouxe um novo sentido de existência para eles. “Não são só os meninos que ganharam com essa mudança, a comunidade também ganhou uma oportunidade preciosa de conviver com cada um deles”, explica.

“É muito importante quando uma política pública desenvolvida para um setor chega à comunidade como um todo. Esse cuidado é algo coletivo”, destaca o secretário-executivo de Proteção Social da SPS, Francisco Ibiapina, lembrando que a residência mais nova fica ao lado de uma Areninha. Em breve, teremos esses homens e mulheres acolhidos na Residência aproveitando desse espaço e, se possível, compartilhando com toda a vizinhança.

Andrea (25) chegou ainda criança no Adoc, mas nunca perdeu o contato com a mãe que mora no interior. Naira conta que elas têm uma relação de muito carinho uma com a outra e que estavam caminhando para um retorno gradual de Andrea para casa. “A deinha tem um tipo raro de esquizofrenia e faz tratamento em mais de um espaço de saúde aqui de Fortaleza, se voltasse para casa da mãe agora seria muito complicado para seguir com o tratamento que ela precisa” explica a psicóloga.

A transferência dos abrigados do antigo Adoc para as residências iniciou em julho de 2018, quando foram inauguradas as casas I e II, e logo em seguida,  em dezembro do mesmo ano, foram também inauguradas as casas III e IV. Neste último mês de setembro foi inaugurada a residência V, que é também casa terapêutica, pois abriga um público com um comprometimento mais acentuado.

A terapeuta ocupacional Karla Rocha, que atua na Residência V, conta que os perfis são diversos, mas todos com deficiências neurológicas e transtornos psiquiátricos. “São jovens e adultos, muitos deles crescidos em abrigos e vêm de uma vida institucionalizada. Eles têm muitos comprometimentos, físicos e psicológicos, e nosso maior desafio é estimular as potencialidades de cada um, a partir de atividades simples e cotidianas, como cuidar da nossa hortinha”.