Cinema do Dragão segue com exibição gratuita de curtas cearenses até segunda (31)

28 de maio de 2021 - 14:34 # # # # # #

Luciana Vasconcelos - Ascom Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura

Boca de Loba”, “Cartuchos de Super Nintendo em Anéis de Saturno” e “Superdance” abriram a Sessão Circular, novo programa de difusão que apresenta no YouTube do Dragão, por tempo limitado, curtas brasileiros com carreira em festivais

Equipamento do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura vinculado à Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult) e gerido pelo Instituto Dragão do Mar (IDM), o Cinema do Dragão mantém em cartaz, até a próxima segunda-feira (31), o programa #1 do Sessão Circular, novo formato de difusão cinematográfica inaugurado no dia 19 de maio, que exibe, por tempo limitado, no YouTube do Dragão, curtas brasileiros apresentados no circuito de festivais, agrupados em sessões temáticas.

Os curtas-metragens cearenses “Boca de Loba”, “Cartuchos de Super Nintendo em Anéis de Saturno” e “Superdance” compõem o Programa #1, intitulado “Corpos à Noite”, por atravessarem, cada qual à sua maneira, sombras típicas da paisagem noturna de Fortaleza. Cada programa é acompanhado por um texto curatorial escrito por Pedro Azevedo, curador do Cinema do Dragão, que traz provocações e reflexões sobre recursos cinematográficos e questões apresentadas nas obras. O programa #2 da Sessão Circular será lançado em junho, com data a ser informada em breve.

Texto Curatorial “Corpos à Noite” por Pedro Azevedo

Foi com uma certa surpresa – ao revisitar os três filmes que compõem essa primeira sessão do projeto “Cinema do Dragão apresenta curtas brasileiros” – que percebi que Boca de loba (de Bárbara Cabeça) e Superdance (de Pedro Henrique) se desenrolam também em algumas poucas sequências diurnas. A memória que guardava desses filmes, somados a Cartuchos de super nintendo em anéis de Saturno (de Leon Reis), era sempre rodeada por um fio espesso de sombras típicas da paisagem noturna de Fortaleza.

Esse projeto não busca oferecer uma visão panorâmica da produção de curtas-metragens cearenses e brasileiros contemporâneos, tampouco se apresenta como uma janela para lançamento de títulos inéditos. A ideia dessas sessões é avizinhar um conjunto de filmes distintos para identificar neles alguns pontos de força que não só atravessam como ultrapassam as bordas das suas narrativas. Por que faz sentido, então, exibir esses três curtas numa mesma sessão? Essa pequena apresentação serve tão e somente como um ponto de partida (e de interrogação) para diálogos possíveis entre os filmes, os realizadores e os espectadores. Aqui, vale lembrar sempre, é o texto e a sessão que estão a serviço dos filmes, não o contrário.

“Corpos à noite”, então, porque a parte mais misteriosa da ação desses três curtas se desenrola no terreno da cidade à noite. A cidade é Fortaleza e a reconhecemos num movimento que vai e volta, vertiginosamente, da periferia ao centro, por meio de grandes planos gerais, panorâmicas, ou através da cartografia bidimensional do mapa urbano da cidade, cindido por fronteiras que demarcam os limites das regionais e dos bairros. O ato da perambulação no espaço da rua parece estar no cerne dos filmes, e eles o fazem com um certo sentido de urgência, reafirmando o processo de emancipação dos corpos dissidentes enquanto negociam o seu lugar nos espaços comuns o tempo todo. As violências históricas que subjazem a simples presença deles nos espaços-comuns não passam desapercebidas. Há toda uma outra lógica de ocupação da cidade que se descortina quando anoitece.

Esses corpos que rasgam a paisagem urbana da noite, então, irão constituir um regime de imagens que não estão tão interessadas em emular a transparência de uma narrativa tradicionalmente construída. Pelo contrário, elas apostam na opacidade do registro, na reimaginação da palavra. A palavra falada (o verbo!), aliás, que em vários momentos delira em arroubos de verborragia poética, opera também como mediador de sensações ao lado da imagem e da música, imiscuindo-se na pele e no ouvido do espectador de forma que, paradoxalmente, atrai e repele, engaja e aturde.

As sequências diurnas também estão lá, e servem inclusive como transições demarcadas para o misterioso porvir da noite. Em Superdance, há uma forte sensação/incômodo alienígena que atravessa o fiapo da narrativa delineada pelos diálogos entre o grupo de amigos. Cartuchos de super nintendo em anéis de Saturno abre-se para a ficção especulativa, fabulando a partir da experiência do corpo negro subrepresentado ao longo da história do cinema, como faz questão de reafirmar a partir da recontextualização crítica das imagens de arquivo. Boca de loba, por sua vez, apresenta um poderoso levante de emancipação da mulher LGBTQIA+ num espaço urbano carregado de símbolos de um patriarcado decadente.

Em artigo recente publicado na revista Artforum, Paul B. Preciado fala das estátuas que caíram no ano de 2020. Monumentos de ditadores, comerciantes de escravos, colonizadores, enfim. “Por que toda a comoção sobre alguns pedaços de metal e pedra? O que é uma estátua num espaço denominado ‘público’ e o que cai junto dela quando ela finalmente tomba?”, Preciado pergunta diretamente ao leitor. Boca de Loba exprime esse desejo de reescrita da história a partir da destituição dos símbolos do patriarcado decadente que habitam espaços-chave da cidade, os amarrando com uma corda e os conduzindo ao tombo. Os outros dois filmes dessa sessão também apresentam caminhos possíveis para a pergunta de Preciado. Vivemos num momento decisivo de recondução da história, e ainda que o cinema não nos dê as respostas, a partir dele poderemos reformular as perguntas que nos moverão pra frente.

Serviço:

Cinema do Dragão apresenta “Sessão Circular” – Programa #1 – “Corpos à Noite”
Período: Até 31 de maio de 2021 (segunda-feira)
Local: YouTube do Dragão do Mar
Programação gratuita