Dia mundial desperta para o combate da violência contra a pessoa idosa

15 de junho de 2021 - 16:56 # # # #

Ascom SSPDS

Rege no Estatuto do Idoso, no artigo 4º, que “nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei”. E esse mesmo artigo, no parágrafo 1º, sentencia que “é dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso”. Instituído em 1º de outubro de 2003 pela Lei Federal Nº 10.741, esse conjunto de leis estabelece os direitos dos idosos e prevê punições quando eles são violados.

No entanto, não basta apenas a existência do estatuto para que os direitos da pessoa idosa possam ser respeitados, são necessárias campanhas de conscientização, denúncias, punições e ações da sociedade civil e do poder público para garantir esses direitos, muitas vezes, renegados. O 15 de junho, quando se comemora o Dia Mundial de Conscientização da Violência Contra a Pessoa Idosa, é uma importante data para que o assunto esteja em evidência e desperte cada vez mais na sociedade o respeito para com seus idosos e a busca pela denúncia quando os direitos deles estão sendo cerceados.

A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS/CE) e suas vinculadas sempre tiveram um olhar atento para o cumprimento dos direitos dos idosos, alertando para a importância desses direitos e indiciando criminalmente aqueles que ferem essas conquistas estatutárias e promovem violência contra à pessoa idosa. No Brasil, o Estatuto do Idoso considera violência contra a pessoa idosa qualquer ação ou omissão que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico.

Em Fortaleza, há dois equipamentos especializados na atenção para com esse público, a Delegacia de Proteção ao Idoso e à Pessoa com Deficiência – DPIPD, da Polícia Civil do Estado do Ceará (PCCE) e o Grupo de Apoio das Vítimas da Violência (GAVV) da Polícia Militar do Ceará (PMCE). Já em todo o Estado, as denúncias de violência contra a pessoa idosa devem ser encaminhadas às delegacias regionais e municipais.

Delegacia especializada

Criada em 1º de agosto de 2018, a Delegacia de Proteção ao Idoso e à Pessoa com Deficiência (DPIPD) é um importante e necessário instrumento no combate aos crimes de maus-tratos contra os idosos, atuando também na defesa de outro público vulnerável, as pessoas com deficiência. Essa delegacia faz parte do Departamento de Proteção aos Grupos Vulneráveis (DPGV) da PCCE.

A delegada titular da DPIPD, Ana Paula Silva Santos Barroso, explica que a delegacia especializada trabalha no combate aos crimes estatutários, os que ferem o Estatuto da Pessoa com Deficiência e os crimes inseridos no Estatuto do Idoso. “O Estatuto do Idoso apresenta pelo menos 14 artigos que incidem em crimes penais. O Artigo 99 é o carro-chefe em denúncias na nossa delegacia. Esse artigo, que retrata a questão dos maus-tratos, vai elencar situações em que o idoso é exposto a perigos, comprometendo sua integridade tanto física como mental. Isso acontece quando o idoso é submetido a um tratamento desumano, degradante, é privado de suas necessidades básicas como saúde, alimentação, vestuário e higiene”, detalhou.

Artigo 99. Expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso, submetendo-o a condições desumanas ou degradantes ou privando-o de alimentos e cuidados indispensáveis, quando obrigado a fazê-lo, ou sujeitando-o a trabalho excessivo ou inadequado. Pena – detenção de 2 (dois) meses a 1 (um) ano e multa.

A delegada Ana Paula Barroso informa que a DPIPD trabalha a vulnerabilidade do idoso dentro de um contexto familiar: “Infelizmente, a maioria dos crimes contra os idosos, cerca de 90% deles, acontece no contexto familiar, seja por um filho, neto, genro, nora ou cuidador. É um filho que não cuida como deveria; é um cuidador que é negligente em sua atenção para com o idoso”.

A violência psicológica, que incide no Artigo 99, explica a delegada, se configura quando há uma situação de ameaça contra o idoso, por meio de ameaças, xingamentos e humilhação por parte de seus familiares ou cuidadores. “Muitos dos idosos que recebemos chegam aqui constrangidos, pois são ameaçados. Percebemos que houve uma situação de constrangimento, de ameaça, de medo velado. Medo de represálias por parte de seus familiares, um medo baseado na dependência, porque eles pensam assim: ‘Eu só tenho esse familiar para cuidar de mim. E se eu denunciar, quem é que vai tomar conta de mim?’. Então é um medo de sofrer o abandono, de ser institucionalizado, pois muitos idosos temem ir para um abrigo. Aí eles preferem suportar essa violência, além de ter vergonha de denunciar seus próprios filhos.”

Outra denúncia frequente que chega à delegacia especializada diz respeito ao abandono dos idosos em hospitais. “O idoso adoece e é levado para o hospital, e a família simplesmente deixa ele lá, o abandono. A assistência social do hospital fica cobrando da família para que ela dê a assistência devida, porém a família joga a responsabilidade para o hospital e fica o idoso sem esse devido cuidado. Esse tipo de atitude incide diretamente no artigo 98 do Estatuto do Idoso”, explica a delegada Ana Paula.

Artigo 98. Abandonar o idoso em hospitais, casas de saúde, entidades de longa permanência, ou congêneres, ou não prover suas necessidades básicas, quando obrigado por lei ou mandado. Pena – detenção de 6 (seis) meses a 3 (três) anos e multa.

O abuso financeiro, aponta a delegada, é outro crime recorrente. Ele ocorre quando a pessoa de má-fé se apropria e desvia para proveito próprio o rendimento do idoso, defendido no Artigo 102. “Já aconteceu de uma neta usar a aposentadoria do seu avô para comprar um aparelho celular, enquanto o idoso estava passando fome”, exemplificou.

Artigo 102. Apropriar-se de ou desviar bens, proventos, pensão ou qualquer outro rendimento do idoso, dando-lhes aplicação diversa de sua finalidade”, constitui crime punível com pena de reclusão de um a quatro anos e multa.

A titular da Delegacia de Proteção ao Idoso e à Pessoa com Deficiência enumera os principais tipos de violência notificados na unidade, tendo como vítima o idoso. São eles: violência psicológica (ameaça e agressão verbal); violência física, violência patrimonial (abuso financeiro), abandono em unidades hospitalares, negligência (maus-tratos e abandono), violência sexual e autonegligência, quando o próprio idoso se recusa a ter cuidado consigo mesmo (não gosta de se cuidar, é acumulador, não tem cuidado com sua higiene pessoal).

A DPIPD é composta por três delegados, sete inspetores e quatro escrivães de Polícia Civil para atender as demandas de Fortaleza. Os crimes contra os idosos cometidos na Região Metropolitana e nas outras cidades do Ceará devem ser registrados nas delegacias distritais, metropolitanas, regionais e municipais da Polícia Civil.

Aumento de ocorrências

A delegada Ana Paula Barroso acredita que a violência contra a pessoa idosa sempre existiu. “No entanto, as denúncias têm aumentado ano a ano, porque a população passou a ter conhecimento da existência de uma delegacia especializada na proteção do idoso e da pessoa com deficiência em Fortaleza, e isso tem encorajado cada vez mais a denunciar esses maus-tratos, além do incentivo às denúncias de uma forma geral enfatizados pelos órgãos de segurança”, explicou.

O aumento de denúncias tanto de maus-tratos contra os idosos como para as pessoas com deficiência pode ser comprovado por meio do quantitativo de inquéritos policiais (IPs) instaurados nessa delegacia, divulgado pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp) da SSPDS. Em 2018, ano de implantação da Delegacia de Proteção ao Idoso e à Pessoa com Deficiência (DPIPD), foram instaurados 23 inquéritos policiais; em 2019, os números de inquéritos saltaram para 222. Em 2020, houve um novo aumento, sendo contabilizados 297 IPs. Já neste ano, até o mês de maio, a delegacia especializada instaurou 97 inquéritos de investigações relativos a esses crimes.

“Além do encorajamento das pessoas em denunciar, acreditamos que a pandemia tenha influenciado o aumento de denúncias e por consequência a instauração de mais inquéritos em 2020. As pessoas estavam em casa ociosas, muitas delas afetadas pela depressão, pelo desemprego, e passaram a agir com intolerância, desrespeito, sem paciência, gerando vários conflitos familiares que transitaram pela violência e ocorrências de crimes. Os idosos e as pessoas com deficiência são os públicos mais suscetíveis a essa violência”, opinou.

Caso emblemático

A titular da Delegacia de Proteção ao Idoso e à Pessoa com Deficiência lembra de um caso emblemático que aconteceu em Fortaleza, em pleno isolamento da pandemia, em 2020: um filho manteve seus pais em situação de cárcere privado, até que um deles foi a óbito. O caso aconteceu em maio do ano passado no bairro Jardim Iracema. “Segundos os vizinhos, por um período de pelo menos 15 dias, esse filho vinha mantendo seus pais em cárcere privado em uma residência no bairro Jardim Iracema. Vizinhos acionaram a Polícia e ele foi preso em flagrante”.

De acordo com os relatos, lembra a delegada, os idosos não estavam sendo devidamente alimentados, nem higienizados, muito menos medicados. “O homem estava cometendo uma série de negligências. E, num determinado dia, quando o filho chegou para deixar alimento, encontrou sua mãe falecida e o pai em um estado de situação deplorável. Isso revoltou demasiadamente a população. Os vizinhos desse casal de idosos quiseram até linchar o homem. A Polícia Militar teve que conter os vizinhos que ficaram extremamente revoltados com toda situação de negligência e maus-tratos. Várias testemunhas foram ouvidas. Nos depoimentos, ricos em detalhes, foram demonstrados que, num período de 15 dias, esses idosos estavam sendo mantidos numa situação de penúria, de descaso total”.

Pelo Estatuto do Idoso, o homem foi indiciado no artigo 97 (deixar de prestar assistência ao idoso, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo, ou recusar, retardar ou dificultar sua assistência à saúde, sem justa causa) e no artigo 99 (expor a perigo a integridade e a saúde, física ou psíquica, do idoso). Pelo Código Penal, ele cometeu as infrações penais previstas no Artigo 148, parágrafo 1º, incisos I e II (Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado) e no Artigo 121, parágrafo 3º pelo homicídio culposo em relação à morte de sua mãe. O homem foi preso e o idoso foi acolhido por um familiar próximo.

Denúncias

Ana Paula Barroso, titular da DPIPD, reforça a importância da denúncia. “O cidadão deve, sim, denunciar. Ele precisa saber que a denúncia é sigilosa, sua identidade será preservada. Precisamos fomentar a denúncia porque estamos protegendo as pessoas que estão sofrendo a violação de seus direitos. Não podemos ser condescendentes com qualquer tipo de violência, principalmente no que diz respeito à pessoa idosa. Além de ser uma questão moral, de sensibilidade, de consciência, é uma questão legal, porque a própria lei determina que o cidadão é chamado a essa responsabilidade. Ele é corresponsável. Temos que garantir que os idosos sejam respeitados em sua plenitude, justamente para que as gerações futuras não sofram o que os seus antepassados sofreram.”

Ela informa que há vários canais de denúncias de maus-tratos e crimes de violência contra os idosos e também para as pessoas com deficiência. São eles: Disque 100, da Secretaria dos Direitos Humanos; o 190, da Coordenadoria Integrada de Operações de Segurança (Ciops); o Disque-Denúncia da SSPDS – 181 ou (85) 3101-0181 (WhatsApp), o telefone Delegacia de Proteção ao Idoso e à Pessoa com Deficiência: (85) 3101-2496 ou pelo e-mail da delegacia: dpipd@policiacivil.ce.gov.br e também pelo Plantão GAVV: (85) 98902-3372 (WhatsApp).

Falsa comunicação

A delegada alerta que deve ser denunciado fatos em tese que tenha fundo de verdade porque há pessoas de má-fé que promovem falsas denúncias. Caso haja falsa denúncia e se comprovada, explica, o denunciante pode incorrer em dois possíveis crimes previstos no Código Penal: Artigo 339 – denunciação caluniosa, com pena de dois a oito anos, e multa; e Artigo 340 – comunicação falsa de crime ou contravenção penal, com detenção de um a seis meses, ou multa.