Semana do Servidor: “Sou militante do SUS e vou ser até o último dia da minha vida”, afirma Adélia Bandeira, servidora pública há 32 anos

26 de outubro de 2021 - 14:33 # # # #

Manuela Barroso - Ascom Sesa Texto e Fotos

Adélia Bandeira atualmente é orientadora da Célula de Gestão para Resultados da Secretaria da Saúde do Ceará

Nutricionista de formação, Adélia Bandeira entrou na Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) por concurso público, atuou na implantação do Centro Integrado de Diabetes e Hipertensão (CIDH) e se tornou uma profissional de referência em educação do paciente diabético. Em toda a sua trajetória, capacitou-se em diversas áreas e levou o trabalho feito pelo Ceará no Sistema Único de Saúde (SUS) como exemplo para fora do Brasil. Conheça mais sobre Adélia nesta entrevista:

Como foi sua trajetória como servidora pública?

Adélia Bandeira: Eu entrei por meio de concurso público. Sou nutricionista de formação e a minha primeira experiência foi na assistência. Quando cheguei, estava sendo feito o primeiro estudo multicêntrico de diabetes no Brasil e o Estado do Ceará, como sempre na vanguarda, participou. E a partir dos dados, nós percebemos, junto com a dra. Adriana Forti, a necessidade de criar um serviço voltado para a educação do paciente diabético. Então, criou-se o Centro Integrado de Diabetes e Hipertensão (CIDH), do qual eu fiz parte da fundação e onde eu tive a felicidade e a honra de trabalhar por 18 anos. Nesse tempo em que nós ficamos lá, vivemos momentos muito importantes na questão da diabetes no Brasil porque formou-se um trabalho diferenciado e nós capacitamos vários educadores. Eu tive a oportunidade de me tornar educadora em diabetes, estudei na Escola Paulista de Medicina, fiz estágio no Hospital das Clínicas, depois, como educadora em diabetes, fui para os Estados Unidos, fiz um curso no Joslin Diabetes Center, em Boston, depois fui para Minnesota, que é o maior centro de educação na área. Foi um tempo de muito conhecimento e produção científica, quando tive a oportunidade de participar como pesquisadora.

Mas aí chegou aquele momento em que eu vi que minha missão tinha sido cumprida e eu vim para a Sesa. Com o conhecimento que eu tinha na área de diabetes, fui coordenar as ações de diabetes e hipertensão na antiga Coordenadoria de Políticas e Atenção à Saúde (Copas). Depois, criou-se a Corus, que era a Coordenação da Rede de Unidades, a qual eu assumi e, nesse período, fiz algumas pós-graduações. Em 2005, fui convidada para ser secretária de Saúde do Município de Aracati, onde fiquei por seis anos e também foi outra experiência muito rica.

Retornei para a Sesa em 2010 para coordenar a questão dos consórcios públicos de saúde. Então, já passei para uma outra área, que foi a implantação dessa nova lógica da Saúde sobre gestão de consórcio. Em seguida, veio a Superintendência da Rede de Unidades, onde fui assessora técnica e voltei para a gestão da Rede, que é uma coisa que eu gosto muito. Em 2018, surgiu uma pós-graduação de Gestão para Resultados, que eu fiz por quase dois anos. E quando eu tinha acabado de me tornar especialista, fui convidada para assumir a Célula de Gestão para Resultados (CEGPR), na Coordenadoria de Desenvolvimento Institucional e Planejamento (Codip), onde estou desde 2019.

Quais eram os sentimentos e expectativas do início da sua carreira como servidora?

A.B.: O sentimento era de muita ansiedade, eu era muito jovem. A gente vem com aquela carga de conhecimento da universidade, achando que vai mudar tudo. E quando você chega, defronta-se com a estrutura organizacional das políticas públicas que têm diretrizes, leis e várias questões que você precisa respeitar. Então, você precisa desenvolver todo um conhecimento sobre isso, especialmente, respeitando as pessoas que ali estão e os processos já constituídos. Foi um aprendizado trabalhar minha ansiedade de jovem, de querer fazer muitas coisas, mas ao mesmo tempo parar e observar o que as pessoas faziam, como elas faziam, o que já existia de concreto na minha visão de saúde pública, área pela qual eu sempre fui apaixonada.

Você lembra de algum fato que marcou sua história profissional?

A.B.: Uma das coisas mais marcantes para mim, no meu tempo na assistência do CIDH, foram as colônias de férias que nós fazíamos com as crianças diabéticas, algumas que já eram diagnosticadas e outras que estavam acabando de receber o diagnóstico. Como nutricionista, às vezes, a gente tem aquela visão de dizer o que é permitido e o que não é permitido. E mexer com a alimentação é mexer com uma área de prazer, uma área cognitiva das pessoas. E uma criança nos ensinou muito. A gente trabalhava com o lado lúdico, porque nós tínhamos uma equipe de psicólogos; colocava muito as crianças para desenhar como elas se sentiam. E uma criança desenhou ela, a família, o cachorrinho, o gatinho.. E quando a gente foi olhar o desenho, ela estava sem boca. A gente foi querer entender exatamente aquilo e perguntou: ‘Por que você está aqui sem a boquinha?’ E ela respondeu: ‘Para que ter boca se eu não posso comer nada, tudo é proibido?’ Aquilo foi muito marcante. Eu entendi que para trabalhar com o paciente, seja ele diabético, hipertenso ou o que fosse, jamais poderia entrar na história de vida dele sem conhecer como ele estava se sentindo com seus ‘nãos’. Então, eu aprendi que mexer com nutrição era mexer com um ser sistêmico que tem sentimentos, que tem alimentos afetivos.

Outro fato marcante foi quando eu estive fora do País e levei as experiências do Ceará para Joslin, que é uma grande escola em Boston na área de diabetes. Eles ficaram maravilhados com nosso trabalho e me convidaram para ficar lá um tempo, mas eu disse que não, que estava indo com o intuito de estudar, que meu desejo mesmo era retornar para trazer as coisas ao Ceará. Isso foi motivo de orgulho, um sentimento de que o Sistema Único de Saúde (SUS) no Ceará é muito bom. É muito forte para a gente que vem dessa construção do SUS o quanto a gente é vanguarda. Tenho muito orgulho, sou militante do SUS e vou ser até o último dia da minha vida.

O que é ser servidor público para você?

A.B.: Ser servidor público para mim é um orgulho. É uma responsabilidade muito grande estar dentro de uma estrutura organizacional onde você serve ao público. Nosso público na Saúde, especialmente, é o cliente do SUS. Então, é um orgulho muito grande trabalhar, seja na assistência, assistindo no leito ou atendendo ambulatorialmente… Mas aqui no Nível Central, nós pensamos, trabalhamos e executamos as políticas públicas que vão fazer com que tudo isso chegue até aquele paciente. Eu acho que é um privilégio para nós profissionais, além de sermos servidores públicos do Estado, produzirmos um serviço de tanta importância para a vida das pessoas. Nós fazemos uma diferença muito grande pela responsabilidade, pelo compromisso, pelo acúmulo de conhecimento, das experiências que nos antecedem. Por isso, eu acho que a gente precisa deixar um legado e ele ficar na instituição como memória para que outras pessoas venham e reinventem, façam uma versão melhor do que a gente deixou.

Em que momentos você se sente mais realizada como servidora?

A.B.: Eu já recebi homenagens bem interessantes e elas foram muito bacanas, mas sabe o que me realiza? É quando percebo que, por todos os lugares que eu passei, eu produzi conhecimento. Muitos jovens chegaram para trabalhar comigo e depois eu os vi ocupando cargos, voando com suas próprias asas. Eu compartilhei conhecimento com eles, eles souberam aproveitar aquela oportunidade, cresceram e hoje se tornaram grandes gestores. E eu tenho ouvido isso: ‘Quando cheguei para trabalhar com você, eu não sabia nada, você me ensinou, me deu oportunidades e hoje eu tenho convicção que você teve uma importância muito grande na minha formação’. Então, eu acho que conhecimento não pode caducar, tem que ser compartilhado para ser reinventado, reproduzido numa versão melhor. Então, meu maior orgulho é poder exercer um papel de liderança em que eu compartilhe tudo o que eu sei com as pessoas que estão no meu entorno.

Que lições o serviço público já deixou para você?

A.B.: Lições de que a gente, com toda a nossa vontade, tem que lidar também com as frustrações porque em qualquer organização você não tem só avanços, não tem só benefícios, você tem frustrações. Cada gestor tem uma forma de gerir e a gente também precisa aprender a lidar com os momentos. Há momentos em que você é gestor e há momentos em que você é assessor. E isso você tem que saber lidar sem se machucar porque faz parte do processo de mudança.

Como você tem avaliado o trabalho do servidor da Saúde durante a pandemia?

A.B.: Foi um ano de aprendizado, de resistência, de resiliência, de aprender a trabalhar em home office e depois fazer um trabalho híbrido sem perder o foco de que, embora nós estivéssemos em casa, nossa responsabilidade era a mesma, porque para que tivesse um médico lá atendendo nos hospitais, os insumos precisavam estar lá. E outra coisa: a instituição não podia parar. Existia uma parte da Sesa toda voltada para o enfrentamento da pandemia, mas tem uma parte voltada para outras questões que não podiam parar. Então, a gente precisava atuar nas duas frentes e ainda pensar no pós-pandemia, como nós estaríamos, como íamos lidar. A palavra, para mim, que mais nos representa é ‘superação’. A gente teve que superar medos, superar ansiedade, inseguranças, voltar, retomar as coisas e produzir.

“Você exerce sua cidadania a partir da sua profissão, do que você propõe a fazer dentro do SUS”

Mas eu acho que foi uma grande lição para todos nós, inclusive de se orgulhar do SUS que nós temos porque, se não tivéssemos, nós teríamos tido muito mais mortes. Cada vez mais, eu tenho mais orgulho do SUS que nós temos, produzimos e que pode ser melhorado. Acho que a gente faz toda a diferença. Foram momentos muito difíceis, ainda são, mas é um aprendizado de uma situação que a gente nunca viveu, mas de superação em todos os setores, porque muitos tiveram que trabalhar aos sábados e domingos, sem horário… A gente se viu em volta de uma série de sentimentos que nunca experimentou junto, mas a gente está conseguindo.

Que conselhos você daria para quem está começando agora ou deseja ser servidor público?

A.B.: Eu acho que a gente deve estar convencido que a dedicação no serviço público, nos princípios da responsabilidade, da ética profissional e do conhecimento é uma das mais importantes formas de nós exercitarmos os verdadeiros pressupostos da cidadania. Especialmente nós profissionais da Saúde. Você exerce sua cidadania a partir da sua profissão, do que você propõe a fazer dentro do SUS. [Para] Os jovens que estão optando hoje por serem profissionais da área de Saúde ou atuar no âmbito da Saúde, é necessário que eles venham com a bagagem da contemporaneidade, que tem toda uma tecnologia que nos globaliza e com muita rapidez nos dá retorno, mas com um senso de responsabilidade, de ética e de muito respeito pelo trabalho das pessoas que sempre nos antecedem, porque a gente sempre trabalha com uma linha de tempo, e para produzir o hoje e o amanhã, foi necessário um ontem, que foi construído por muitas mãos, muitos saberes, e esse respeito eu acho fundamental.