Doença celíaca: substituição adequada do glúten evita danos ao organismo

13 de maio de 2022 - 10:42 # #

Letícia Maia - Ascom Sesa Texto e Foto
Josias Jeronimo Arte gráfica

Nesta segunda-feira (16), celebra-se o Dia Mundial de Conscientização sobre a Doença Celíaca. A enteropatia permanente acomete indivíduos geneticamente predispostos e ocorre quando o consumo de glúten – proteína presente no trigo, na cevada e no centeio – desencadeia uma inflamação intestinal capaz de gerar lesões, atrofiar alguma extensão da mucosa e comprometer a absorção de nutrientes e micronutrientes, podendo causar desnutrição e diversas consequências associadas.

Conhecer as circunstâncias em que a condição se manifesta, saber identificar os sintomas sugestivos e buscar orientação médica em tempo hábil são condutas indispensáveis para uma melhor qualidade de vida.

Nesse sentido, Edna Marques, médica gastroenterologista atuante no Hospital Infantil Albert Sabin (Hias), equipamento vinculado à Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), esclarece dúvidas frequentes relacionadas à patologia.

Confira a entrevista:

Quais os principais sintomas possivelmente relacionados à doença celíaca?
E.M.: Uma tríade clássica chama a atenção dos médicos diante de quadros suspeitos relatados. Desnutrição, diarreia e distensão abdominal associadas à hipotrofia glútea são aspectos observados na literatura. No entanto, com a disseminação de conhecimentos e com a assistência precoce, os quadros não têm evoluído para estágios mais severos.

Pode haver algum outro indício?
E.M.: É preciso ter atenção aos quadros oligossintomáticos, quando surgem poucos ou leves incômodos. Às vezes, uma anemia crônica inespecífica pode indicar doença celíaca em virtude da má absorção do ferro. Além disso, alterações de transaminases hepáticas (enzimas que atuam catalisando diversas reações), vômitos e constipação são pontos diferenciais.

Pessoas geneticamente predispostas necessariamente desenvolvem distúrbios?
E.M.: Há um grupo que apresenta um quadro latente e permanece assintomático apesar da presença de anticorpos de histocompatibilidade e de eventuais diagnósticos positivos.

No que consiste o protocolo de investigação para a obtenção do diagnóstico?
E.M.: O diagnóstico hoje é feito a partir de diversas variáveis, dentre as quais incluem-se exames de autoanticorpos, antitransglutaminase (principalmente da classe IgA) e antígeno de histocompatibilidade (HLA, DQ2 e DQ8). No entanto, é importante enfatizar: não é apenas um exame positivo que fecha o diagnóstico e, sim, um conjunto de análises a partir de uma clínica sugestiva, ambos complementados por biópsia duodenal e, conforme já mencionado, pelo antígeno de histocompatibilidade.

Ao se descobrir a doença, qual deve ser a providência?
E.M.: Cumprir todas as orientações médicas e retirar o agente agressor. Ou seja, cortar o glúten da alimentação de maneira permanente. Para isso, é importante contar com o apoio de profissionais – incluindo o acompanhamento psicológico –, da família, dos amigos e de associações voltadas à causa.

A conduta pode ser adotada sem quaisquer prejuízos nutricionais?
E.M.: Há substituições possíveis, incapazes de acarretar danos. Ao suprimir o glúten da sua dieta, você pode compensar o consumo de carboidratos com outras alternativas, a exemplo do arroz e da banana. Além disso, hoje, há opções de trigo sem glúten. Há, ainda, pessoas absolutamente saudáveis, sem qualquer restrição, que retiram o glúten e a lactose da alimentação sem nenhuma indicação. Eu, particularmente, não vejo como algo necessário, exceto quando há justificativas plausíveis.

Uma vez confirmada, a enfermidade precisará ser avaliada por especialistas durante toda a vida?
E.M.: A doença celíaca não tem cura. Por isso, é importante haver assistência médica e nutricional permanente.

Quais exames e consultas devem compor o acompanhamento periódico?
E.M.: Recomenda-se que, após o diagnóstico, anualmente, façam-se exames para saber como está o ferro, o cálcio, a vitamina B12, o fígado e os rins. A endoscopia pode ajudar a identificar se há lesões de atrofia e deve ser prescrita de acordo com a necessidade. Se você nota que aquele paciente transgride a dieta com frequência, a atenção ao caso dele deve ser redobrada. Cada situação tem que ser analisada individualmente.

A condição pode se manifestar ao longo de qualquer faixa etária?
E.M.: A doença celíaca costuma se apresentar em torno de seis meses após a ingestão do glúten ser incorporada à dieta. Por exemplo, um bebê de meio ano de vida, ao iniciar o consumo da proteína, caso seja predisposto ao problema, deverá expressar sintomas com cerca de um ano de idade. No entanto, quanto mais se estuda, mais se descobre gente externando os sinais da doença ao longo da vida adulta. Ou seja, o período de latência pode durar décadas sem o aparecimento de sintomas sugestivos.

Uma descoberta tardia aumenta a chance de complicações?
E.M.: Pode acontecer, mas, nem sempre, a gente encontra um celíaco com lesão no intestino. A doença causa, sim, um processo inflamatório, porém, às vezes, pode ser leve e não causar uma atrofia de uma maneira total. Isso precisa ser avaliado de forma individualizada.

Também se ouve falar em intolerância ao glúten “não celíaca”. Como defini-la?
E.M.: Nesse caso, as reações ao consumo de glúten são transitórias e não apresentam repercussões negativas para a vida do paciente se ele consumir a proteína esporadicamente. Entretanto, só a avaliação diagnóstica poderá definir com certeza em qual circunstância o quadro está inserido.

Ao desmistificar a doença celíaca, qual deve ser a importância da conscientização contínua?
E.M.: Diante de qualquer suspeita, ao definir o diagnóstico, cumprir a dieta rigorosamente é fundamental, mas, de maneira concomitante, é preciso controlar o estresse, conhecer restaurantes com cardápios voltados aos celíacos e, além disso, buscar a serenidade psicológica. Esse é um importante ponto de debate. Há mães, por exemplo, que evitam a ida do filho celíaco ao supermercado com medo de que ele sinta o cheiro do glúten que emana das seções de padaria. Isso não existe. Para que haja reação, é preciso comer o alimento.

Além disso, o medo da contaminação cruzada também pode causar muita aflição. Higienizar bem os utensílios é suficiente. Não há necessidade de montar cozinhas exclusivas dentro de casa para os celíacos. É preciso lutar contra esse conflito de angústia e não confundir evidências com experiências sem comprovação.