Laboratório da Uece é responsável por comprovar atividades medicinais de plantas do semiárido nordestino

14 de junho de 2019 - 17:53 # # # # # #

André Victor Rodrigues - Texto
Davi Pinheiro - Fotos

Com trabalho focado nas análises de extratos e constituintes de plantas do Nordeste, o Laboratório de Química de Produtos Naturais se dedica a validar produtos naturais já utilizados popularmente e também descobrir novos tratamentos.

É comum da tradição popular o tratamento de dores e desconfortos por meio da utilização de plantas que desempenham função medicinal. Os chás para curar dores no corpo e desconfortos, agir em cicatrização e inflamações, e por aí se alonga a lista escrita desde os antigos. Com o avanço de pesquisas laboratoriais, o meio acadêmico certificou e aprofundou a utilização de herbáceas dentro de suas capacidades de oferecer compostos químicos específicos que são eficazes no combate a uma série de doenças. É este propósito que guia os trabalhos do Laboratório de Química de Produtos Naturais (LPN) da Universidade Estadual do Ceará (Uece), responsável por validar e identificar atividades medicinais em cerca de 50 plantas do semiárido na região Nordeste.

Referência na área das Ciências Naturais, a professora Selene Maia de Moraes está à frente dos trabalhos do laboratório desde 1998. É titular da Uece em cursos de graduação, assim como dos Programas de Pós-Graduação em Ciências Naturais, Biotecnologia e Ciências Veterinárias. Ensina acerca de bioquímica aplicada, produtos naturais e compostos bioativos. Ela explica que, na Uece, pesquisadores têm se empenhado em estudos que colhem informações do conhecimento popular e exploram com tecnologia e inovação a produção científica que objetiva ampliar as soluções medicinais para enfermidades.

“No Laboratório de Produtos Naturais fazemos um trabalho de mostrar o poder das plantas, principalmente da Caatinga, que não dispõe de muito estudo. A gente realiza o levantamento dos constituintes químicos e das atividades contidas nas plantas. Aqui conseguimos orientar os alunos de Mestrado, Doutorado e Iniciação Científica. Com esses trabalhos, fazemos publicações em revistas nacionais e internacionais. Obtendo-se diversos trabalhos e produzindo patentes com materiais novos vindos das herbáceas, conseguimos vários projetos e financiamento para poder comprar todos esses equipamentos vistos no laboratório”, destaca a professora universitária.

Nas linhas de pesquisa desenvolvidas no local se encontra ênfase no estudo de extratos com propriedades anti-helmínticas (vermífugo), leishmanicida e antimocrobiana. Os estudos do laboratório já indicaram tratamentos por meio de produtos naturais para leishmaniose, câncer, ação contra vírus Aedes aegypti (dengue, zika e chikungunya) através de larvicidas, alzheimer, doenças de pele, dentre outros problemas de saúde.

Sobre o processo de produção científica com as plantas, Selene explica que o pesquisador em Química de Produtos Naturais parte, em boa parte das vezes, da informação que é difundida pelas comunidades, dentro das tradições. “Se no Sertão o pessoal antigo tem aquele relato da utilização de determinado chá, determinada planta para um fim medicinal, a gente vai procurar aquela planta, faz os extratos dos compostos bioativos, para tentar encontrar realmente aqueles produtos que confirmam a ação das plantas. Assim que a gente estudou todas essas plantas, tentando encontrar as atividades relatadas tanto pelos familiares quanto pelos livros étnico-farmacológicos e étnico-biológicos”.

O conhecimento indígena voltado à flora cearense é um exemplo de como a pesquisa ganha norte com a exploração de plantas já identificadas como de uso medicinal. O LPN desenvolve trabalho junto aos índios Tapeba, situados na Caucaia, onde os alunos da Química colhem todas as informações necessárias para seus objetos de estudo. “Já fizemos várias entrevistas com o pajé, as pessoas da comunidade indígena em geral. Eles nos deram várias informações para comprovação científica. Também acontece de muitas vezes se utiliza uma planta, mas ela não tem aquela eficácia que realmente é dita, aí podemos dar a real medida dos efeitos. Mas na grande parte das plantas indicadas por ele que a gente pesquisou, realmente se identifica ação para determinados tratamentos de enfermidade”, revela.

Descobertas

A professora cita como um dos casos de destaque nas pesquisas do laboratório os estudos da folha da graviola, na qual já foram identificadas em estudos pelo Brasil a viabilidade de ser utilizada contra o câncer. Na Uece, os estudos da planta específica vão além: no LPN foi identificada a eficácia da folha no combate a casos de leishmaniose em animais.

“Nós temos um colega que trabalha com a folha de graviola e as propriedades contra o câncer. Ele prepara um extrato e as pessoas utilizam com sucesso. Eu também trabalho na Veterinária e os cães são muito acometidos pela leishmaniose. Sabemos que o produto anticâncer tem uma citotoxicidade, que é uma ação que mata as células. Ele tem que ser tóxico para matar as células cancerígenas. Aí experimentamos para ver se aquelas substâncias extraídas da folha da graviola tinham atividades contra leishmania também. Além da atividade anticâncer já comprovada por diversos experimentos famosos, identificamos que serviu para as atividades contra a leishmaniose”, explica Selene.

O produto antileishmanial usado nos cães foi preparado à base de graviola e fava-d’anta, natural do Cariri, que contém determinadas substâncias adequadas para a aplicação. Os cientistas utilizaram um complexo fitoterápico, que acabou virando uma patente, e já salvou a vida de muitos cães no Hospital Veterinário da Uece. “Até agora fizemos experimentos com os animais infectados. O processo para realizar com pessoas requer a parte da pessoa tomar, o que se torna muito mais demorado.”

Outro caso interessante vem da cera de carnaúba. Utilizada popularmente para conservar a pintura de veículos através do polimento, pesquisas feitas na Uece identificaram substâncias que garantem proteção solar. “Aplicamos isso como protetor solar em pessoas. Utilizamos e realmente verificamos a ação para isso.”

Casos com impacto social

Há um campo de pesquisa importante no Laboratório de Química de Produtos Naturais voltado aos larvicidas. Explorando as plantas alfavaca, alecrim do sertão e alecrim pimenta, os pesquisadores conseguiram gerar um produto que é eficaz no combate às larvas do Aedes aegypti. “A gente tem várias plantas que realmente foram trabalhadas e produzem substâncias que podem ser usadas no fumacê, com essa capacidade de matar as larvas. São produtos naturais larvicidas. Essa utilização em larga escala ainda não foi feita, mas comprovamos a utilização eficaz.”

Lugares e pessoas

Além de colher as histórias populares acerca das plantas, os pesquisadores na área dos Produtos Naturais também pesquisam onde se localizam as floras de cada espécie. No Ceará, o Cariri é centro de muitas coletas de material. No Nordeste, estudantes da Uece já foram pelo Maranhão, Piauí, Paraíba, e também ao Norte, em Rondônia e no Pará. Desses lugares, certificados pelos herbários locais, trazem as plantas para explorar no laboratório.

Selene lembra de casos de pesquisa com lugares típicos em território cearense. “A gente já fez, por exemplo, uma experiência com a Sucupira. Populares colocam a semente dentro de uma garrafa de cachaça para tomar numa ação para a garganta. Levamos para o laboratório e vimos que tem realmente essas propriedades. É muito importante para nós saber que o povo está utilizando plantas para uso medicinal que realmente tem ação comprovada. É gratificante encontrar nesses produtos a validação nas pesquisas.”

Pesquisa no laboratório

O LPN conta hoje com a dedicação de 20 pós-graduandos, entre mestrandos e doutorandos, além de dez bolsistas de iniciação científica. Localizado no Campus do Itaperi, em Fortaleza, o equipamento também recebe voluntários das graduações da própria Uece e pesquisadores de outros laboratórios de todo o país para realização de experimentos, teses e monografias.

Todos os equipamentos do laboratório foram obtidos através de projetos de pesquisa, junto a Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Reverberando o conhecimento

O legado construído pelos estudos da Química dos Produtos Naturais é vasto ao longo dos anos. Graduados, prós-graduados e até mesmo alunos que ainda se preparam para o vestibular nutrem o desejo de avançar a cada dia mais nas alternativas vindas da natureza para a cura de enfermidades e soluções sustentáveis.

Doutora em Biotecnologia pela Uece, a professora universitária Cristiane Duarte passou boa parte dos estudos dentro do espaço laboratorial. Em sua tese, ela defendeu a elaboração de biodiesel à base de soja e murici. “Testei a estabilidade dele com substâncias antioxidantes, semente da manga, da uva. Isolamos alguns constituintes dessas sementes e aplicamos no biodiesel. Tivemos atividades satisfatórias”. Para a experiência, Cristiane relata que a extração do óleo do murici foi feito na própria Universidade Estadual do Ceará, nas plantações existentes no Itaperi. “Sempre passava por lá e via as sementes do murici. Resolvemos levá-la para análise e deu certo.”

Já Ana Lívia Moreira Rodrigues se prepara para terminar o Doutorado em Biotecnologia analisando as propriedades medicinais de três espécies de plantas anacardiáceas (a aroeira). “Faço um comparativo dos compostos fenólicos, tanto fenóis quanto flavonóis. O que eu encontro em cada uma, tanto nas folhas quanto no caule. Esses compostos são conhecidos na literatura como detentores de atividades biológicas: antioxidante, anti-inflamatórios, cicatrizante, antimicrobiano. Outras ações estamos descobrindo por meio de extrato das folhas e caules para análise cromatográfica”, explica.

O caso de Ana Carolina Silva partiu de uma relação puramente afetiva com o uso de plantas como remédio. Natural do interior paraense de Tailândia, a estudante do 7º semestre da Química sempre teve o apreço aos produtos naturais. “Sou do Pará, então quando tinha uma dor de cabeça minha avó ia no mato para buscar folha e fazer chá. Sempre tive ligação com isso. Quando ainda estava no 3º ano, fui a uma Feira das Profissões da Uece e conheci o nome da Dra. Selene”, conta com animação.

Ao ingressar no curso da Uece, Carolina logo se ofereceu para acompanhar e ajudar nas atividades do laboratório. Trabalha em experimentos com vísceras de peixe e depois com algas, dedicada aos polos sacarídeos sulfatados com propriedades anticâncer e antileishmania. Hoje prepara a sua monografia sobre os adubos e a influência destes nas plantas. “Você toma um chá para dor de cabeça. O que vai fazer o metabólico secundário que tu quer usar é o óxido de cariofileno. Se tu plantar em cocô de galinha, você tem mais dessa substância e vai ser melhor. Descobrir qual adubo tem mais efeito para potencializar o metabólico dessas plantas”, explica.