Projeto Livro Aberto incentiva aprendizagem e possibilita remição de pena

17 de março de 2022 - 11:26 # # # # #

Bruno Mota - Ascom Seduc - Texto
Rosane Gurgel - Fotos

O entendimento de que a leitura proporciona uma série de vantagens a quem a pratica é consensual. Entre os muitos benefícios atribuídos ao hábito de ler, incluem-se a ampliação do conhecimento de mundo, o desenvolvimento do pensamento crítico, o aprimoramento das habilidades comunicativas, a promoção da saúde mental e a possibilidade de transportar-se para outras realidades, pelo uso da imaginação. Conceder esta oportunidade a pessoas privadas de liberdade é abrir-lhes caminho para a possibilidade de uma libertação, em sentido amplo.

Nesta perspectiva, o Governo do Ceará criou o Projeto Livro Aberto, que consiste em um programa de empréstimo de obras literárias, científicas e filosóficas a internos do sistema prisional do estado. A principal premissa do projeto é remição de pena por meio da leitura. O processo é coordenado pela Secretaria da Educação (Seduc) e pela Secretaria da Administração Penitenciária (SAP). O acervo é composto por cerca de 23 mil exemplares, distribuídos em 14 presídios.

Para participar da ação, o custodiado precisa elaborar uma resenha ou relatório sobre o livro que escolheu ler, no prazo de 21 a 30 dias. O texto será corrigido por um professor da rede pública estadual de ensino, que analisará aspectos como fidelidade ao tema, originalidade e estética. Caso a nota obtida seja igual ou superior a seis, é feita uma solicitação de redução de pena à vara judicial. Após a aprovação do órgão, o aluno terá direito à remição de quatro dias de sentença.

O projeto estipula, ainda, que é possível deduzir até 48 dias de prisão por ano, após a apresentação de uma resenha ou relatório a cada mês.

Gerenciamento

Destaca-se, ainda, a figura do livreiro, que é o detento responsável, no respectivo presídio, por realizar as inscrições de novos participantes no Projeto, organizar e catalogar os volumes, além de gerenciar os empréstimos feitos.

Alex José Sampaio de Oliveira, de 39 anos, é interno na Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Jucá Neto (CPPL 3) e participa há cerca de dois anos do Projeto Livro Aberto. Atualmente, ele exerce a função de livreiro da unidade. “Não era leitor lá fora e já fazia mais de 20 anos que tinha parado de estudar. Quando cheguei à CPPL 3, tive essa oportunidade e foi muito gratificante. Me identifiquei muito com os livros. É uma coisa que vou levar pra vida. Pelo fato de estar privado, o livro abre caminhos que a gente não imaginaria conhecer”, conta.

Alex diz gostar de livros sobre autoconhecimento, história e literatura, por exemplo. Graciliano Ramos e Machado de Assis constam na lista dos autores lidos pelo interno. “Boa parte dos livros da biblioteca eu já li, pois tenho facilidade de pegar. No decorrer dos anos, devo ter lido mais de cem, de várias áreas diferentes”, revela.

Exteriorização

Sobre a produção textual, que deve ser elaborada após a leitura de cada obra, Alex considera ser uma forma de exteriorizar o que sente. “O relato é uma forma de a gente se expressar em cima do que leu, que além de ajudar na remição da pena, também dá oportunidade de a gente desabafar um pouco do nosso cotidiano, pois temos a opção de fazer uma crítica sobre a leitura. É bem interessante”, expõe.

Entre 2016, ano em que o projeto passou a vigorar, até fevereiro de 2022, foram registrados 206.219 empréstimos de livros, resultando na correção de 133.063 resenhas e relatórios de leitura. A partir disso, foram expedidos 72.564 atestados de remição de pena.

Realização

A pedagoga Claudênia da Silva Diniz leciona desde os 17 anos. Na carreira profissional, uma das grandes aspirações que tinha era a de trabalhar em prisões. Hoje, ela atua na correção de provas do Projeto Livro Aberto e se diz realizada no que faz. “A humanização me trouxe até aqui. Nós nos dedicamos a trazer não só as matérias regulares, mas também reflexões, atividades de autoestima e exercícios que façam com que eles pensem”, observa.

A professora defende que o processo de escolarização seja amplo e includente, para que provoque transformações mais efetivas na sociedade. “Por que não levar educação a todos? Por que não na prisão? A educação é libertadora. Eles precisam ter dignidade no lugar onde estão. A educação traz amor próprio às pessoas que estudam. Nem todos enveredam pelo caminho certo quando saem, mas, a educação consegue atingir alguns, que lá fora passam a ter uma vida diferente, mais próspera”, aponta.

Para além da oferta de escolarização formal, a questão do incentivo à leitura, que ocorre em unidades prisionais do Ceará, consiste num diferencial para a formação do indivíduo. “Eles merecem ter esse momento. ‘Quando a gente entra nessa sala, a mágica acontece’, eles dizem, pois podem viajar nas histórias. Os alunos leem o livro e fazem a prova, resumindo como foi a experiência e o que entenderam dela. Vemos, nos que estão envolvidos, o processo de mudança e a reflexão”, avalia Claudênia.