Especial Virando o Jogo #07 | A peleja dos Anjos
3 de maio de 2022 - 12:13 #poder resiliente #Série especial #superação #Virando o Jogo
Ascom ViceGov
Dos 21 anos de vida, 19 são como morador do bairro Bom Jardim, onde Walisson dos Anjos mora com o pai aposentado precocemente por conta de uma deficiência visual. “Ele trabalhava como auxiliar de pedreiro, mas como só tem 40% da visão teve que se aposentar. Assim mesmo nunca deixou que eu precisasse interromper os estudos para trabalhar, porque queria que a minha história fosse diferente da dele. E acho que é por ter sido incentivado a estudar que sonho em me tornar professor, seja na universidade ou em escola pública”, conta o ex-aluno do projeto Virando o Jogo que perdeu a mãe ainda criança para o lúpus.
Como jovem participante do Virando o Jogo, Walisson passou pelo curso profissionalizante de eletricista no Senac, instituição parceira do projeto. Não era exatamente a profissão dos sonhos de quem logo depois prestou exame para o ENEM e acabou cursando Tecnologia e Gestão Ambiental no IFCE. Mas fez total diferença. Sobretudo porque foi se destacando como aluno do projeto que ele acabou sendo contratado como articulador social.
“Entrei no Virando o Jogo visando muito mais o esporte do que a própria capacitação profissional, porque já jogava futebol e basquete na escola. Mas sabia que se viesse a dominar o básico sobre instalação elétrica não me faltaria trabalho, inclusive no próprio bairro, onde a infraestrutura é bem precária. Minha casa, por exemplo, nunca foi rebocada e até o ano passado nem piso tinha. Então, pensei: pelo menos eu mesmo vou aprender a fazer a minha fiação elétrica, o que já é uma economia”, pondera.
A ajuda de custo recebida durante os sete meses de duração do projeto também ajudou para que permanecesse estudando. “Apesar de ter sido iniciado uma formação técnica de nível superior no IFCE não teria dinheiro para o deslocamento da minha casa até lá. Então, ter sido aluno bolsista e depois poder aproveitar a oportunidade de trabalhar como articulador social, já com um ganho fixo mensal, foi algo muito importante. Talvez sem isso não tivesse conseguido seguir investindo na minha educação”, observa.
Para Walisson, a experiência de articulador social vivida hoje é um treino para quem sonha no futuro com o magistério. “Sempre percebi o papel importante da figura do professor na juventude. É uma relação de confiança que se constrói. Muitas vezes os jovens não confiam um no outro, mas confiam no professor para conversar sobre tudo. E por isso se projetam nele. Eu já venho fazendo esse papel no Virando o Jogo como articulador social. Escuto e aponto o melhor caminho para quem está querendo virar o jogo da própria vida. E isso é o que me dá certeza de querer a docência como profissão”, anima-se.
Superpoderosas? Temos!
O poder resiliente está com elas. A mãe sustenta a casa sozinha com um salário-mínimo. Foi empregada doméstica e hoje trabalha como cozinheira em um restaurante na Aldeota. O pai artesão ajuda com o que pode desde que a separação do casal se consumou, após inúmeros desentendimentos por conta de sua dependência da bebida. Bianca de Oliveira, 19, já chorou muito por isso. Mas diante da necessidade de sobrevivência não titubeou em trabalhar como auxiliar de cozinha e vender dindim na rua para contribuir com a renda familiar.
E não teve desapontamento que a fizesse se afastar da escola ou mesmo ver seu bom rendimento escolar cair pelas tabelas. Aliás, já tinha concluído o Ensino Médio com louvor quando soube pelo amigo Walissson dos Anjos, articulador social do projeto Virando o Jogo, que poderia se inscrever para o processo seletivo de uma nova turma de jovens do bairro Canindezinho e outros bairros da periferia da cidade que teriam direito à qualificação profissional gratuita com direito a ajuda de custo mensal e outros benefícios. “Como eu estava desempregada e a gente já vinha precisando apelar até de doações de alimentos da igreja, porque só o dinheiro da minha mãe não dava pra sustentar a mim e ao meu irmão, o projeto veio como uma tábua de salvação mesmo. E hoje já estou com um currículo muito melhor para correr atrás de emprego quando o curso de Assistente Administrativo terminar”, acredita a moça que diz precisar se virar com o que aparecer, mas não sem deixar de sonhar com o “topo”.
Para Bianca, o topo é se tornar advogada criminal ou juíza. “Meu projeto de vida é fazer faculdade de Direito. Um dia, fiz um passeio da escola e fomos levadas para uma audiência no fórum. Nunca mais esqueci. Aquele porte das mulheres advogadas e juízas, aquela vestimenta, isso tudo me fez sentir o gostinho do empoderamento da mulher. Elas que estavam no comando e decidindo o mais justo ali. Sei que é difícil chegar nesse lugar, mas vou atrás de emprego para conseguir pagar uma faculdade ou fazer cursinho preparatório pro ENEM, porque já prestei exames duas vezes e não fui aprovada ainda. Também quero poder ajudar minha mãe e construir uma vida com meu namorado, que trabalha em um supermercado. Mulher não desiste nunca”, diz, já empoderada.