Programa da Rede Sesa proporciona maior qualidade de vida a pessoas ostomizadas

14 de novembro de 2022 - 15:20 # # # # #

Evelyn Barreto - Ascom Sesa - Texto
Evelyn Barreto e Arquivo Pessoal - Fotos Josias Jeronimo - Arte gráfica

“Para mim, a ostomia é, no presente, uma lembrança. Uma lembrança que deixou marcas profundas em mim, no meu entendimento da doença com a qual convivo e no reconhecimento e redescoberta do corpo em que habito.” Jana Viscardi, professora doutora em Linguística e ostomizada.

A observação em torno da relação com o corpo, da estética e da sexualidade são reflexões recorrentes, sobretudo entre pessoas que passaram pelo processo de ostomia (ou estomia). A intervenção cirúrgica consiste na abertura de um orifício entre um órgão interno para o meio externo, permitindo o transporte de conteúdo. O procedimento pode ser realizado nos sistemas respiratório, digestivo, urinário, sendo reversível ou permanente. Pessoas ostomizadas nasceram com má formação congênita ou enfrentaram tumores intestinais, doenças inflamatórias intestinais e traumas abdominais.

O Dia Nacional da Pessoa Ostomizada é lembrado no dia 16 de novembro e levanta o debate acerca do acesso à informação sobre a deficiência e o combate ao preconceito enfrentado por esta parcela da população.

De acordo com o Ministério da Saúde, há mais de 400 mil pessoas com estomas no Brasil. Dez mil novos casos surgem por ano. No Ceará, o Programa de Atenção à Saúde da Pessoa Ostomizada (Paspo), vinculado à Célula de Atenção à Pessoa com Deficiência (Cedef) da Secretaria de Saúde do Estado (Sesa), dá assistência a 3.850 pacientes. Desde o início deste ano, foram feitos mais de 18 mil atendimentos.

A Cedef é uma importante ferramenta da Secretaria e tem o objetivo de monitorar o processo de implantação e implementação das políticas da pessoa com deficiência em todas as regiões do Estado. “O serviço de atenção aos ostomizados é uma atividade especializada, na qual se desenvolvem ações de reabilitação e de orientação para o autocuidado, a prevenção e o tratamento de possíveis complicações. Não podemos esquecer que as pessoas ostomizadas são reconhecidas como pessoas com deficiência”, destaca a orientadora da Célula, Sheila Santiago.

O serviço atende pacientes desde 2016 e desenvolve ações de reabilitação que incluem orientações para o autocuidado, a prevenção e o tratamento de complicações no estoma, além de fornecimento de equipamentos coletores e de proteção. O atendimento funciona na Policlínica Dr. Luiz Carlos Fontenele, no bairro Passaré, em Fortaleza. Mais informações sobre o Paspo podem ser consultadas pelo telefone (85) 98147-6714.

“O Programa atende casos de ostomias eliminatórias, nas quais ocorrem a eliminação de fezes e urina, por meio dos procedimentos de colostomia, ileostomia e urostomia”, explica a coordenadora do Paspo, a enfermeira Yara Lanne.

No serviço, os pacientes têm a possibilidade de receber, de forma gratuita, os materiais necessários para os cuidados com o estoma. “Disponibilizamos bolsas coletoras, barreiras protetoras, coletores urinários e pomadas. Efetuamos essa entrega e orientamos sobre a limpeza do estoma, tiramos dúvidas e damos suporte para quem está iniciando esse processo”, acrescenta.

É o caso do José Carlos Pinheiro, 19. Desde os sete anos, o estudante de Informática utiliza a bolsa de colostomia. “Quando eu era criança, em Acopiara [município a cerca de 365 km de Fortaleza], tive uma solitária (teníase) de mais de um metro dentro de mim. Ela acabou perfurando meu intestino e fui levado às pressas para o hospital. Foi quando fiz a cirurgia e passei a usar a bolsinha”, conta. O jovem é atendido pelo Paspo e, além de receber o material, é acompanhado pela enfermeira estomaterapeuta e pela equipe psicossocial do Programa.

O fornecimento de dispositivos, especialmente para quem não pode custear a compra semanal dos suprimentos, é imprescindível para a manutenção e a garantia do acesso à saúde. “Antes, minha tia e minha mãe compravam a bolsinha, toda semana. Ela custa 20 reais e eu usava por sete dias, período limite de utilização. Hoje, recebo o material de graça pelo Paspo. Então, é bem melhor”, reconhece.

José Carlos aguarda a cirurgia de reversão no Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar (HMJMA), da Rede Sesa. A cirurgia viabiliza a dispensa do uso da bolsa. Em 2022, até o momento, 17 procedimentos foram feitos na unidade.

Yara explica que cada caso tem sua especificidade e isso precisa ser levado em consideração. Para a coordenadora, não há uma “receita de bolo” nos atendimentos realizados no Paspo. “Não existe a bolsa certa, existe a bolsa certa para cada indivíduo e isso é avaliado no atendimento. Por isso, reiteramos continuamente a importância desse acompanhamento presencial”, diz.

No Programa, existem mais de 15 tipos de bolsas e acessórios disponíveis à população, como cintos e pastas para corrigir o desnível da pele.

Até outubro deste ano, o Paspo forneceu mais de 286 mil insumos aos pacientes. O material para manutenção do estoma dura, no mínimo, três meses. Yara explica que um estoque dos produtos é essencial, principalmente porque a população atendida pelo Programa é, em sua maioria, do Interior.

Somente em outubro deste ano, 18.854 materiais foram entregues para residentes que não moram em Fortaleza. Na Capital, 10.987 peças foram distribuídas.

Encarar o novo corpo

Deparar-se com a necessidade da ostomia, seja de forma reversível ou permanente, pode ser suficiente para transformar o mundo de alguém, ainda que a pessoa tenha proximidade com a situação. É a história de Priscila Sampaio Silva, de 35 anos.

Enfermeira especialista em estomaterapia no Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (HM), também da rede estadual de saúde, ela já estava acostumada a lidar com a demanda. Priscila era responsável pela orientação do uso das bolsas dos pacientes recém-ostomizados da unidade.

Em março deste ano, com dois meses na atividade especializada, a enfermeira foi diagnosticada com adenocarcinoma, um tipo de câncer que afeta as glândulas e o tecido dos órgãos excretores. De responsável pela orientação à paciente, Priscila então precisou utilizar a bolsa de ostomia.

“Foi um susto. Até eu ter o diagnóstico, sentia muita dor e muito receio do que poderia estar acontecendo. Quando ocorreu tudo, a cirurgia, a necessidade da bolsinha, eu precisei me reinventar. E continuo”, conta ela, que é acompanhada pelo Paspo.

“Assim que fiz a cirurgia, já fui assistida pelas profissionais com orientações e ajuda para dividir a angústia. Logo após o procedimento, tive dermatite e foi lá que consegui o cuidado necessário”, diz.

Priscila lembra do processo de aceitar a nova condição e mira perspectivas mais otimistas. A profissional de saúde aguarda cirurgia de reversão. “Se posso tirar um fator positivo desse momento da minha vida, é de que não serei a mesma profissional quando retornar aos trabalhos. Com certeza, terei ainda mais cuidado, atenção e compreensão das demandas de uma pessoa ostomizada. Não é mais só empatia, mas é ter sentido na pele todas as nuances que vêm com o diagnóstico e com esse processo”.

Direitos das pessoas ostomizadas

O Dia Nacional das Pessoas Ostomizadas e foi instituído em 16 de novembro por meio da Lei nº 11.506, de julho de 2007. A legislação dá início a uma série de outras regulamentações em prol dos direitos das pessoas ostomizadas, como a Portaria nº 400 do Ministério da Saúde. O documento prevê diretrizes nacionais para a atenção à saúde das pessoas ostomizadas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS).

Outro importante documento para a garantia dos direitos das pessoas ostomizadas é o decreto presidencial nº 5.296 de 2004, que reconhece esse público como pessoas com deficiência (PcD). Dessa forma, essa população é protegida e tem em sua retaguarda uma legislação que garante, por exemplo, o direito ao passe livre em transporte coletivo, o atendimento prioritário em serviços, a reserva de vagas em concursos públicos e o recebimento do Benefício de Prestação Continuada (BPC).

No Paspo, o acesso aos direitos também é uma pauta reforçada pela equipe. “A gente sempre prioriza essas informações sobre as legislações para cada paciente, especialmente para aqueles que são novos nessa trajetória”, explica Yara Lanne.

O banheiro adaptado é uma das demandas mais urgentes. “O maior medo de uma pessoa ostomizada é ter algum vazamento estando fora de casa e ela passar por alguma situação de constrangimento”, pontua a coordenadora do Programa.

#FelizComOstomia

Informações sobre ostomia são objeto de produção de conteúdo de diversos influenciadores digitais, como Lorena Eltz, que iniciou, em novembro de 2020, o movimento #FelizComOstomia e estreou uma série de postagens sobre o tema. A gaúcha de 22 anos utiliza a bolsa de ileostomia desde os 12. Ela acumula em seu perfil no Instagram mais de 600 mil seguidores.

“Quero trazer minha vivência com uma estomia permanente que, ao contrário do que muitos pensam, não me delimitou 100%, não retirou minha felicidade ou possibilidade de seguir uma vida comum, com prazeres físicos”, escreveu em uma publicação.