Sem cura, obesidade pode ser controlada: “Processo para o resto da vida”, diz cirurgião bariátrico que enfrenta a doença

3 de março de 2023 - 15:08 # # # #

Diana Vasconcelos - Ascom HMJMA - Texto
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Mudança de hábitos e acompanhamento com equipe multiprofissional são fundamentais nesse percurso

A obesidade é uma doença cuja recuperação está intrinsecamente ligada ao desejo e à decisão do paciente. O cirurgião-geral Gláucio Nóbrega, atuante no Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar (HMJMA), da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), é especialista em cirurgia bariátrica e também enfrentou a condição. “Há 18 anos, eu tomei a decisão e passei por dieta e cirurgia. E me cuido até hoje. Tenho plena consciência de que esse processo é para o resto da vida”, diz.

Nóbrega chegou a pesar 150 kg. Para o procedimento, ele teve de perder 10 kg. Atualmente, o médico mantém o peso entre 95 kg e 98 kg.

O Dia Mundial da Obesidade, 4 de março, foi instituído pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para ampliar as discussões sobre a condição. Para Gláucio Nóbrega, apesar das dificuldades no processo contra a doença crônica, pode-se resgatar bem-estar e autoestima.

O primeiro passo, ele enfatiza, é entender a obesidade e de que forma a mudança de hábitos pode ser uma aliada nesse percurso.

Confira a entrevista:

A obesidade é um dos problemas mais graves de saúde pública no Brasil. O que a caracteriza?

Gláucio Nóbrega: A obesidade é caracterizada pelo acúmulo excessivo de gordura. É uma doença crônica, progressiva, degenerativa e inflamatória, sem cura. A condição, porém, pode ser controlada pelo paciente. Ninguém vai conseguir fazê-lo emagrecer, somente ele próprio. Ele tem de entender a necessidade de novos hábitos e, para descobri-los e adotá-los, é preciso de ajuda, com acompanhamento de equipe multidisciplinar – com nutricionista, psicólogo, educador físico – e, em alguns casos, quando houver indicação, de equipe cirúrgica.

A obesidade é um problema de saúde em todo o mundo, não só no Brasil. É assustador. Vivemos um paradoxo: quanto mais falamos de obesidade, mais o mundo parece caminhar para facilitar a aquisição de alimentos calóricos, adicionados de açúcares.

Quando alguém é considerado obeso e quais os malefícios que a doença pode causar?
G.N.: O critério mais indicado para avaliação da obesidade é o Índice de Massa Corpórea (IMC), relacionando peso e altura. Você divide o peso pelo quadrado da altura e terá um resultado. Se for abaixo de 18, indica magreza; de 18 a 25, é peso normal; de 25 a 30, é sobrepeso; acima de 30, é considerado obesidade. Há, ainda, os graus de obesidade: de 30 a 35, é obesidade grau um; de 35 a 40, grau dois; acima de 40, grau três.

A condição traz outras doenças por associação, como hipertensão, diabetes, colesterol elevado, apneia do sono, insuficiência respiratória, acúmulo de gordura no fígado, doenças cerebrovasculares ou acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico ou isquêmico, infarto, doenças articulares, entre outras. Então, ao tratar a obesidade, você melhora ou até faz desaparecer essas outras enfermidades.

As pessoas nascem com obesidade ou é um problema adquirido?
G.N.: A obesidade é multidimensional. Não há apenas uma causa para definir seu surgimento ou caracterização. A causa mais frequente é o transtorno do comportamento alimentar, com excesso de ingestão de calorias e um baixo gasto energético. O ideal seria uma alimentação equilibrada, conforme o gasto diário, acompanhada de uma atividade física de, no mínimo, 30 minutos, cinco vezes por semana.

O senhor tem grande vivência clínica e enfrentou pessoalmente a obesidade. Como enxerga a dificuldade de tantas pessoas para perder peso?
G.N.: As pessoas demoram a perceber que precisam mudar o comportamento e seguir nesse caminho. Dificilmente, o paciente com obesidade tem um real entendimento da doença. Ele tem uma visão distorcida da quantidade de calorias ingeridas. Normalmente, ele faz um prato muito grande e acha aquilo normal. Quando encara alguém se alimentando com uma quantidade adequada para o seu gasto energético diário, o obeso enxerga aquilo como anormal.

Não há quem resista por muito tempo a uma dieta rigorosa. E ninguém vai passar fome. Então, teria de mudar o comportamento partindo do princípio de uma reeducação alimentar. Isso vai mudando você e te levando a uma perda de peso gradual. Porém, esse cuidado é pra sempre, tem de ser observado durante toda vida. Enquanto você quiser manter o peso controlado, tem de ter cuidado com a ingestão e o gasto, mesmo os pacientes que se submeteram à cirurgia.

Há alimentos que evitam a obesidade?
G.N.: Não há nenhum alimento que evite a obesidade. O que acontece é: se você tem uma alimentação equilibrada, com ingestão de alimentos naturais ou o mais próximo disso, melhor a condição nutricional e menos calórico é esse alimento. Isso ajuda a pessoa a não engordar, mas ele não evita. Frutas, verduras, grãos integrais e não industrializados são sempre indicados para driblar o excesso de peso.

Se a pessoa está com excesso de peso, quais seriam os primeiros passos para mudar essa realidade?
G.N.: A primeira coisa é buscar uma avaliação médica para investigar o que está estimulando ou sendo afetado por esse comportamento. Em seguida, é indicado procurar um(a) nutricionista e um(a) educador(a) físico(a). Em alguns casos, até um(a) psicólogo(a). Considerando nossa sociedade, esse comportamento alimentar pode ser a forma encontrada pela pessoa de contrabalancear as ansiedades.

Após a perda de peso, é possível ter uma vida saudável e manter o peso adequado?
G.N.: Uma vez que você reduz o peso, seja por meio de dieta ou de cirurgia, é importante manter esse controle; observar a ingestão e o gasto das calorias para uma vida plena, saudável, alegre e com lazer. Quando você reduz 10% do excesso de peso, já se tem uma repercussão positiva no coração, na circulação, no fígado e nos rins. Se perder todo o excesso, a pessoa vai ter muito mais saúde.

Há muito preconceito em torno das pessoas que sofrem com obesidade. Quais as suas considerações a respeito?
G.N.: Além da obesidade, a pessoa ainda tem de enfrentar a discriminação, até mesmo por parte de alguns profissionais de saúde. As pessoas acham que obesidade não é uma doença, que é uma falta de caráter, de boa vontade e até um desleixo. Obesidade é uma doença e tem um código internacional que a identifica. O paciente obeso já tem menor chance de arranjar emprego e com prejuízo nas relações de trabalho e pessoais. É desumano.