Da dor à superação: jovem tem vida ressignificada após receber próteses de pernas

17 de março de 2023 - 17:10 # # # # # #

Juliana Marques - Ascom ESP/CE - Texto
Daniel Araújo, Deborah Muniz e arquivo pessoal - Foto

Dayane Rodrigues (ao centro) amputou partes dos membros inferiores diante de uma infeção generalizada; ESP/CE capacita profissionais a fazer a prescrição, a concessão, a adaptação e a manutenção de componentes artificiais

Dayane Rodrigues tinha apenas 23 anos quando viu sua vida mudar completamente. A jovem já era mãe de Maria Eduarda, de 7 anos, e gestava seu segundo filho quando precisou ser internada diversas vezes por causa de uma infecção urinária.

O problema de saúde era reincidente. Tornou-se comum desde quando ela trabalhava em uma fábrica, constantemente exposta ao calor. Um ano depois de sua saída da empresa, a situação ainda afetou as duas gravidezes.

Passar pelo puerpério – período de adaptação física e psicológica do pós-parto – é naturalmente um caminho difícil. Viver esta fase sentindo fortes dores, então, é mais complicado. Foi o que ocorreu após 30 dias do nascimento de João Victor. “As cólicas começaram fracas, mas, com o tempo, ficaram incapacitantes. Cheguei a desmaiar diversas vezes por causa da dor”, relembra.

Devido à gravidade da situação, Dayane foi encaminhada da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) em que estava sendo atendida para o Hospital Geral de Fortaleza (HGF), em um veículo do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu 192 Ceará). No caminho, enquanto lutava pela vida, paciente e equipe foram surpreendidos por uma colisão entre um caminhão e um poste de luz.

Enquanto um socorrista tentava reanimá-la, outro profissional precisou assistir o motorista envolvido no acidente. No mesmo instante, fios de alta tensão caíram em cima da ambulância. “Naquela noite, eu também escapava de um choque”, diz Dayane.

A jovem recorda de flashes no hospital: da correria de médicos na Emergência e de alguém perguntar se ela já tinha manchas pretas nos dedos das mãos. Ao abrir os olhos, tentando acordar de uma sedação, Dayane desperta de um coma induzido pensando ser o dia seguinte daquele turbilhão de acontecimentos, mas 25 dias já haviam se passado. Dois dedos da mão direita e parte de uma das pernas foram perdidos.

Lutando pela vida

As frequentes infecções urinárias de Dayane evoluíram para uma sepse, inflamação que se espalha pelo organismo e pode levar à queda da pressão arterial, à falência de órgãos, dentre outras consequências. Nos dias de coma, as chances da paciente de continuar viva eram de 5%.

“Como o problema estava no meu sangue, isso fez com que atrapalhasse a circulação, causando necrose nos dedos de uma das mãos e pernas”, explica. Para salvar sua vida, os médicos, com autorização da família, fizeram as amputações.

De início, Dayane Rodrigues não se acostumou com as próteses, mas reavaliou a relação com os equipamentos após conhecer o projeto social Método RAP

Mesmo tendo sobrevivido, a jovem só pensava em como os parentes permitiram os procedimentos. “Eu não queria entender e estava revoltada. Como uma infecção urinária evoluiu para isso?”, questionou. Dias depois, Dayane teve de passar por outra amputação: a de parte da outra perna.

Foram dois meses de internação até receber alta hospitalar. Em casa, os desafios foram maiores. Sem parte dos dois membros inferiores, a mãe de duas crianças necessitou de rede de apoio.

O recomeço

Sobre a cadeira de rodas, com o tempo avançando, Dayane percebeu que era hora de reagir à nova rotina. “Eu tentava fazer tudo, mesmo diante das minhas limitações. Lavava roupas na pia, fazia almoço e varria a casa”, pontua. Dois anos após as cirurgias, ela recebeu as próteses das pernas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Foi preciso reaprender a andar e a suportar o incômodo inicial causado pelos equipamentos.

Para isso, foi importante a atuação do fisioterapeuta e protesista Edi Ângelo Bandeira Pontes. O profissional, facilitador do curso de Órteses e Próteses da Escola de Saúde Pública do Ceará Paulo Marcelo Martins Rodrigues (ESP/CE), já acompanhava a paciente pelas redes sociais e achou estranho o fato de ela sempre publicar vídeos e fotos usando apenas a cadeira de rodas ou com o auxílio do andador, apesar de já ter adquirido as próteses.

O especialista também é idealizador do projeto social Método RAP, cujo objetivo é ajudar pessoas a se adaptarem aos componentes artificiais. Dayane, após contato do fisioterapeuta, aceitou visitar o espaço. Foram necessárias algumas modificações nos aparelhos e meses de reabilitação até a jovem começar a experimentar a sensação que um dia fora comum: a de conseguir equilibrar seu próprio corpo em pé.

Mãe de duas crianças, Dayane precisou reaprender a andar e a suportar o incômodo inicial causado pelos equipamentos

“Foi maravilhoso caminhar sem sentir dor. Naquele momento, percebi que perder as minhas pernas me fez enxergar o quanto sou forte e que posso ir além. Descobri, ainda, o meu propósito: impactar vidas. Sonho em mostrar para o mundo esse projeto e ajudar outras pessoas”, diz emocionada.

Para Ângelo, a jovem é um dos melhores exemplos de superação. “Por ser uma paciente bilateral, exigindo um nível de adaptação bem difícil, se não tivesse força de vontade, desistir das próteses seria o caminho mais fácil”, argumenta.

Dayane hoje trabalha como modelo, é surfista, faz atividade física regularmente e cuida sozinha dos filhos. Ela também se tornou embaixadora do Método RAP, cujo nome tatuou no corpo para homenagear o projeto. Recentemente, participou como palestrante do curso Aperfeiçoamento em Órteses e Próteses e Meios Auxiliares de Locomoção da ESP/CE, unidade da Secretaria da Saúde do Ceará.

Capacitação

A autarquia, por meio da Gerência de Educação Profissional em Saúde, disponibiliza o treinamento para profissionais fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais atuantes em policlínicas e Centros Especializados de Reabilitação do Estado.

Curso “Aperfeiçoamento em Órteses e Próteses e Meios Auxiliares de Locomoção” deve abrir novas turmas neste ano

A capacitação busca torná-los aptos a fazer a prescrição, a concessão, a adaptação, a manutenção e o repasse de orientações em órteses e próteses e meios auxiliares de locomoção (OPMs). “Antes, poucos fisioterapeutas entendiam essa parte da reabilitação de pacientes amputados. Por isso, o curso agrega muito conhecimento aos profissionais da Saúde estadual”, afirma Ângelo.

Ao todo, 36 profissionais foram capacitados na área nos últimos dois anos, entre formação técnica e aperfeiçoamento. A expectativa é de que novas turmas sejam abertas ainda em 2023.