Dia dos Povos Indígenas: Ceará tem Secretaria voltada à proteção, fortalecimento e valorização dos povos e seus territórios
19 de abril de 2023 - 10:18 #cultura #demarcação #diversidade #originários #políticas públicas #reconhecimento
Larissa Falcão - Ascom Casa Civil - Texto
Hiane Braun e Helene SantosAscom Casa Civil e Iago Jenipapo - Fotos
Rosane Gurgel e Tiago Stille - Vídeo
Yuri Leonardo - Infográfico
Com 20 povos no Ceará, a demarcação das terras indígenas é prioridade da pasta
Dia dos Povos Indígenas. É assim que o 19 abril será celebrado hoje e no futuro, substituindo o que erroneamente foi estabelecido por décadas: o Dia do Índio. A mudança é resultado da aprovação da Lei Federal 14.402, sancionada em 8 de Julho de 2022. O Projeto que resultou na Lei foi de autoria de Joenia Wapichana, a primeira deputada federal indígena eleita no Brasil.
A alteração na letra e na lei – muitas vezes usadas como instrumentos de colonização – é um marco importante para o processo de reconhecimento da diversidade dos povos originários contra a invisibilidade. Segundo dados preliminares do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Brasil possui 1,6 milhão de indígenas.
No Ceará, que tem 20 povos, segundo levantamento divulgado em 2023 pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o 19 de abril agora coexiste com a primeira Secretaria dos Povos Indígenas (Sepince), criada oficialmente em fevereiro de 2023. À frente da pasta está a professora, mestre em Antropologia e Cacika Irê do Povo Jenipapo-Kanindé, Juliana Alves.
“Para os povos indígenas do Brasil, a mudança na nomenclatura de índio para indígenas é de extrema importância. Primeiramente, o índio foi um nome adotado pelos portugueses que chegaram aos nossos territórios e, ao ver a diversidade cultural daqueles povos, acharam que estavam chegando na Índia. Então adotaram esse nome para os povos, perpetuando estereótipos. Essas conquistas são uma reparação histórica do Estado brasileiro que, por várias décadas, tentou silenciar e inviabilizar a forma, o comportamento e a diversidade que esses povos vivem dentro da sua plenitude cultural”, enfatiza.
Ainda segundo a secretária, a participação e representatividade dos povos no campo da construção política é outro avanço inegociável. “Com a criação do primeiro Ministério dos Povos Indígenas, que tem como ministra Sônia Guajajara, o Estado do Ceará também criou a Sepin. A gente precisa agora efetivar as políticas públicas dentro dos territórios, dando ênfase à importância da demarcação dos territórios indígenas”, projeta.
Reconhecimento e diálogo
Segundo Cacika Irê, nos últimos anos tem ocorrido um aumento significativo da população indígena no estado. Esse movimento, segundo ela, é impulsionado pelo autoreconhecimento e reivindicação dos indígenas por suas identidades e terras que, por sua vez, estão atualmente em diferentes fases de demarcação e regularização. Um rio que flui cada vez mais volumoso contra o discurso de extinção. “O quantitativo do censo do IBGE de 2022, até então ainda não todo consolidado, apontou uma previsão de mais de 50 mil indígenas no Ceará”, cita.
Até o momento, no Ceará, o único território demarcado é o do povo Tremembé do Córrego João Pereira [entre Itarema e Acaraú]. “O Governo Federal já sinalizou que dentre as treze terras indígenas que serão demarcadas pela União, uma está no Ceará, que é a do Povo Tremembé da Barra do Mundaú, em Itapipoca. Precisamos avançar ainda mais nessas ações”, explica a secretária.
Sobre avanços, a Sepince já deu um passo histórico com o desenvolvimento do Povos do Siará. A iniciativa permitirá aos povos indígenas cearenses requererem o direito de ter nos seus documentos oficiais o nome indígena da sua etnia, além da possibilidade de incluí-la no registro civil. Povos do Siará é resultado da parceria entre Sepince, Defensoria Pública Geral do Ceará e Secretaria da Proteção Social (SPS), que está levando o Caminhão do Cidadão até os territórios.
A primeira etnia contemplada foi a Jenipapo-Kanindé, em Aquiraz, durante a ação realizada na manhã deste 19 de abril. “Eu, que me chamo Juliana Alves, agora posso me chamar Juliana Jenipapo-Kanindé. Isso vai acontecer para outros povos, sempre alinhado às ações de cidadania que serão levadas até os territórios para, por exemplo, garantir a emissão do registro de nascimento. Ainda tem indígenas que vivem sem os documentos, sendo completamente desassistidos pelas políticas públicas. Para ter acesso aos benefícios, é necessário a documentação”, avalia.
Povos do Siará é um exemplo de como a Sepin estará em constante diálogo com outras pastas e órgãos do poder público para assegurar direitos e serviços básicos, como segurança alimentar, saúde integrada e educação com equidade, bem como a infraestrutura – estradas e equipamentos – para melhorar o bem viver nos territórios com segurança alimentar. “É como a minha mãe, a Cacika Pequena, sempre fala: nós, povos indígenas, não queremos o peixe pronto. Queremos a tarrafa para pescar o peixe, para a toda hora, a qualquer momento, ir buscar o peixe. Por isso, a demarcação do território é prioridade”, reforça a secretária.
Mulher, território e resistência
Das palavras ao cocar, tudo em Cacika Irê fala da força de seu povo e da sabedoria ancestral que aprendeu com a mãe, a Cacika Pequena. “Eu sempre tive uma representatividade feminina muito forte. Minha mãe foi a primeira mulher a se tornar, em 1995, Cacika, no Ceará e na América Latina. Dentro desses ensinamentos, fui me motivando a lutar em prol dos povos indígenas, mais especificamente das mulheres”, enfatiza.
Antes de assumir a pasta dos Povos Indígenas do Ceará, Juliana Alves foi ainda co-fundadora da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga) e vice-coordenadora da Associação das Mulheres Indígenas do Ceará (Amice). Uma trajetória de liderança também marcada pela defesa da educação indígena, com atuação em sala de aula, gestão escolar e pesquisa científica.
Segundo ela, conduzir a pasta exige ainda mais pensamentos centrados no que realmente importa: a coletividade. “Cacika Pequena sempre diz: minha filha, os caminhos são abertos para que a gente possa ocupar. Se tá abrindo, ocupe com sabedoria. Vendo isso, eu sempre busco me reconectar. Tanto que não estou na Capital. Estou no meu território. Todo o dia eu saio e volto para aldeia, porque existe uma conexão muito forte com o que acredito: encantaria e espiritualidade”, conta.
Para acessar a sabedoria dos povos originários, observa a secretária, os não-indígenas precisam largar o preconceito e reavaliar a relação com a natureza. “O primeiro passo é compreender toda a vivência desses povos. Saber que no Ceará existe indígena, sim. Negar isso é muito insultante , porque os povos indígenas estão aqui, fazendo parte desse estado, junto aos quilombolas, ciganos, agricultores, pescadores, entre outros, com suas ricas culturas. É necessário que a sociedade compreenda e, acima de tudo, respeite”, sublinha.
Nesse sentido, a educação tem um papel fundamental. “Não é reproduzir aquela historinha tradicional que Pedro Álvares Cabral descobriu o Brasil e a caricatura do indiozinho nu que vive à margem do rio é preguiçoso. A história a ser contada é a dos povos indígenas na atualidade; como esses povos existem, onde estão; as formas de existência; a mitologia que os povos praticam; e as suas crenças e tradições. A escola precisa praticar isso”, completa Cacika Irê.
O fortalecimento da educação indígena também deve ser uma pauta da sociedade. “Nós ainda temos escolas indígenas sem prédios próprios e que vivem uma defasagem em relação ao número de profissionais. O Estado já tem projeto de concurso público para professores indígenas na rede estadual. Para consolidar isso, vamos dialogar ainda mais com a Secretaria da Educação do Ceará”, garante.