Na escola ou no trabalho, jovens com deficiência intelectual abrigados pelo Estado conquistam sua autonomia

26 de abril de 2023 - 17:51 # # # # #

Sheyla Castelo Branco - Ascom SPS - Texto e foto

O rosto suado e o olhar atento ao instrutor de muay thai sinalizam que Targino de Souza, 23, não é mais o menino tímido que tinha medo de socializar com outras pessoas. Ele ainda demora um pouco para se soltar, mas, quando fica confortável, logo surge uma conversa e o jovem com deficiência cognitiva leve mostra o quanto vem se tornando determinado, sensível e atento ao mundo à sua volta. Quando entra no tatame, todas as dificuldades desaparecem e ele pode tudo.

O instrutor de Targino, Leandro Derek, recorda a trajetória do aluno. “Acompanho o Targino há três anos e fico muito orgulhoso de ver a evolução dele através do esporte. Já viajamos juntos para lutar fora de Fortaleza e ele só melhora a cada treino. Tem foco, disciplina e força de vontade”, conta Leandro. Targino faz parte do grupo de 81 pessoas, dentre homens e mulheres com deficiências neurológicas e transtornos psiquiátricos abrigados nas seis residências inclusivas coordenadas pela Secretaria da Proteção Social (SPS) do Estado do Ceará.

Além do esporte, Targino tem desenvoltura quando o assunto é informática, edita vídeos e ainda pinta quadros que enchem os olhos de beleza. Seja na sala de aula, no tatame ou no mercado de trabalho, os jovens com deficiência intelectual abrigados nas residências inclusivas vêm conquistando autonomia e traçando novos caminhos.

Inclusão nas Escolas

Rebeca Chaves, 39, Fabricio Rodrigues, 26, e Rafael Oliveira, 28, também moram nas residências inclusivas e têm uma coisa em comum: a dedicação aos estudos. Com o caderno nas mãos, eles se desafiam diariamente e enfrentam seus medos. Rebeca tem deficiência intelectual moderada e conta que sua maior alegria é se arrumar para ir ao colégio. Ela faz a Educação de Jovens e Adultos (EJA) fundamental e não perde um só dia de aula, conta Ana Sárvia, que acompanha os alunos do sistema de inclusão e é auxiliar de serviço educacional da Escola Estadual de Ensino em Tempo Integral Walter de Sá.

“Hoje as escolas estaduais e municipais contemplam todos os alunos e isto representa uma evolução na educação do Ceará. Outro ponto importante é que somos flexíveis com os horários dos alunos do sistema de inclusão. Estamos atentos às demandas deles e entendemos que por vezes podem estar mais sonolentos por conta dos remédios que precisam tomar ou por outros motivos. Temos esses cuidados para que eles se sintam acolhidos de verdade na nossa escola e para que participem de todas as atividades que realizamos”, pontua Ana Sárvia.

Rafael tem esquizofrenia e Fabrício deficiência intelectual leve. Os dois cursam o 3° ano do Ensino Médio também na Escola Walter Sá e vêm apresentando uma melhoria significativa no comportamento a partir da socialização na escola.

A terapeuta ocupacional da residência em que eles moram, Úrsula Feitoza, lembra que os dois evoluíram muito nos últimos anos. “O Fabrício tinha muitas crises. Hoje em dia, vejo ele numa calmaria, numa paz. Há mais de um ano ele não tem nenhuma crise, e isto me deixa emocionada, porque sei que é resultado desse acesso que ele está tendo a uma vida em comunidade, com passeios e interações no ambiente escolar”, frisa Úrsula. A terapeuta lembra que Rafael tem uma história de muitos traumas, o que dificultou sua convivência social. “Na escola, percebo que ele tem conseguido romper com esse medo e tem se tornado, aos poucos, mais independente”, ressalta a profissional.

Mônica Gondim é coordenadora da Proteção Social Especial da SPS e destaca a importância de estimular a independência dos acolhidos. “Nas casas, incentivamos eles a arrumarem sozinhos suas camas, guarda-roupa, dentre outras atividades do dia a dia que trazem, aos poucos, mais autonomia para eles. Se hoje temos jovens no esporte, nas escolas e até no mercado de trabalho, isto é resultado direto deste acolhimento humanizado, que os enxerga como indivíduos únicos e que necessitam como qualquer um de nós da socialização para se desenvolverem”, reforça a coordenadora, que esteve à frente da implantação das Residências Inclusivas no Estado do Ceará.

“Tenho muito orgulho de dizer que nas casas eles têm um convívio real com o entorno. Fazemos questão que eles façam passeios nas praças próximas das residências e que interajam com os vizinhos e assim, entendam que fazem parte desta sociedade, isto é inclusão de verdade”, reitera Mônica Gondim.

Inclusão no Mercado de Trabalho

Antônio Carlos, 37, o “Toin”, como é chamado carinhosamente pelos colegas de sala, também tem uma deficiência cognitiva leve e vive na residência inclusiva I. Ele conta que a sua maior alegria no dia é pedalar de casa até o trabalho.

Antônio Carlos trabalha há treze anos na sede da SPS, começou no setor de Patrimônio e hoje trabalha no setor de Atividades Auxiliares, onde ajuda na organização de pastas e materiais diversos. “Aqui eu aprendi a importância da organização”, diz ele, que no início, quando começou a trabalhar na SPS, vinha no carro da residência e depois de um tempo, convivendo com outras pessoas, foi descobrindo que poderia também ter sua própria independência. “Fui tomando gosto por escolher e comprar minhas próprias roupas, ir na lotérica e pagar sozinho minhas contas”, explica ele.

A titular da SPS, Onélia Santana, destaca que as Residências Inclusivas trouxeram novas possibilidades para os jovens e adultos com deficiência acolhidos, e que mais do que casas são espaços de pertencimento e aconchego. “O Ceará acompanhou as mudanças que ocorreram a nível nacional nas políticas de acolhimento e implantou com muita eficiência um sistema de acolhimento humanizado e, sobretudo, que vem transformando a vida dos 81 acolhidos nas casas. Todos eles tiveram mudanças significativas de comportamento a partir do convívio em comunidade e hoje exploram e conseguem reconhecer suas potencialidades”, ressalta a secretária.

Residências Inclusivas

As seis residências inclusivas são casas que contam, cada uma, com equipe multidisciplinar composta por médico psiquiatra, assistente social, psicólogo, terapeuta ocupacional, enfermeiros, pedagoga, trabalhadores domésticos e cuidadores em regime de plantão. São abrigados nas casas, 81 jovens e adultos com deficiências físicas e intelectuais. Desse total, 56 são homens e 25 são mulheres.