Museu Ferroviário Estação João Felipe é destino obrigatório para conhecer a formação do Ceará

7 de janeiro de 2024 - 09:53 # # # #

Ascom Secult Ceará - Texto
Lucas Calisto e Jeny Sousa, - Foto

Museu salvaguarda o patrimônio e a contribuição dos ferroviários cearenses, atuando com objetivos socioeducativos, de pesquisa, turismo e entretenimento

Atenção cearenses, é hora de pegar o trem rumo à história de nosso povo. O Museu Ferroviário Estação João Felipe está de portas abertas, proporcionando uma viagem única pelos trilhos da memória. O rico acervo, preservado e organizado pela comunidade ferroviária, ganhou nova sede, tornando-se rota obrigatória de encontro e imersão em um dos principais capítulos acerca da formação do Ceará.

Recém inaugurado, o Museu Ferroviário integra a Rede Pública de Equipamentos Culturais da Secretaria da Cultura do Ceará (Secult Ceará). A instituição se une à Pinacoteca do Estado do Ceará, a Kuya – Centro de Design do Ceará, o Mercado AlimentaCE e a Estação das Artes, formando o Complexo Cultural Estação das Artes, gerido em parceria com o Instituto Mirante de Cultura e Arte.

As peças expostas são oriundas do antigo Museu do Centro de Preservação da História Ferroviária do Ceará. Este primeiro espaço de salvaguarda funcionou até 1999, nas antigas oficinas da “Estrada do Urubu” (oficinas Demosthenes Rockert), no bairro Carlito Pamplona, sob coordenação da então Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) e apoio da Associação de Engenheiros da Rede Viação Cearense (AERVC).

Rebatizado com o nome da centenária Estação Ferroviária João Felipe, ocupa agora um dos antigos galpões da RFFSA e abriga a exposição de longa duração intitulada “Nos trilhos do tempo. Histórias da ferrovia do Ceará”, com curadoria assinada por André Scarlazari e Marcus Braga.

A cerimônia de inauguração aconteceu em novembro de 2023, contudo, as atividades do Museu Ferroviário Estação João Felipe iniciaram em janeiro de 2023, atendendo o público no prédio da Associação dos Ferroviários Aposentados do Ceará (AFAC). Até outubro, quando atuou neste endereço, recebeu mais de 13 mil pessoas durante 201 ações realizadas. 150 anos após a primeira viagem de trem no estado (acontecida em 30 de novembro de 1873), os cearenses testemunham uma nova fase deste relevante território de conhecimento histórico.

Família ferroviária

“A história que não é registrada é esquecida. No instante em que se fixa o Museu, ela fica viva. O trilho foi um dos grandes desbravadores do interior do Ceará. Muita cidade cresceu devido ao trilho e o trem, tanto pela linha Norte como a Sul”, nos contextualiza o presidente da AFAC, Francisco Sobreira (84).

Esta alegria também é dividida por Jesus Félix de Souza (81). “Sou descendente de ferroviário. Meu pai era maquinista, quer dizer, eu já nasci no trem”. Da terra natal Cedro, o caminho deste trabalhador com a Estação João Felipe cruzou-se por conta de uma inovação tecnológica do setor ferroviário. “Meu pai foi transferido para Fortaleza para terminar os últimos anos de maquinista aqui. Aí, acabou a locomotiva a vapor e chegou a diesel. Com isso, ele se aposentou”, conta Félix, que começou a trabalhar na RVC em fevereiro de 1957.

O acervo do Museu reúne décadas de serviços e feitos prestados à população, consolidando diversos acontecimentos marcantes entre as estações e linhas que corriam o Ceará. Uma força de trabalho passada de pais para filhos, descreve o maquinista aposentado, Vicente Maciel (79).

Durante a entrevista, Vicente tratou logo de contar algumas das muitas vivências nestes longos anos de ferrovia. Faz questão de mostrar um vídeo, no qual veste e apresenta a farda que cuida até hoje. Entre os detalhes, ensina como fazer o nó “cara de gato” na gravata que compunha a indumentária.

Entre os acontecimentos do trabalho, lembra ter sido condecorado com a Medalha de Mérito Ferroviário. Dos tempos de maquinista, aponta ter guiado imensos trens pelo interior e até fora do estado. Na primeira viagem turística em que operou a bordo do trem “Litorina” (trecho ferroviário de Fortaleza a Baturité), conta ter conduzido uma cearense ilustre. “Era a Rachel de Queiroz. Ela foi até Baturité”, situa.

Lugar da memória

Com a criação do Complexo Cultural Estação das Artes, o Museu Ferroviário retorna em novo projeto museal e gestão compartilhada entre a Secult Ceará, Instituto Mirante e a AERVC, com anuência do Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), a partir de um inventário de objetos e documentos e um novo Termo de Cooperação Técnica entre os entes envolvidos para a sua retomada e consolidação.

Reunindo valiosos objetos e documentos, configura-se como espaço cultural para pesquisas, encontros, rodas de conversa e aprendizados. O Museu Ferroviário Estação João Felipe nos ensina acerca das mulheres que igualmente fizeram a história ferroviária do Ceará. Como o exemplo da ferroviária Ana Angélica (1935-2023), que foi professora do Centro Educacional Paulo Sarasate, antiga escola da RFFSA. Atuou no serviço administrativo da companhia na área de patrimônio, assim como no antigo Museu do Centro de Preservação da História Ferroviária do Ceará.

Diretora de Comunicação Social da Associação dos Ferroviários Aposentados do Ceará (AFAC), Maria Erivany Soares compartilha da relevância do Museu no processo de preservação da identidade cearense. “A importância é imensurável, pois o Ceará teve um grande desenvolvimento socioeconômico com o surgimento da ferrovia, iniciado com a Rede de Viação Cearense (RVC) e, algum tempo depois, com a unificação das ferrovias estaduais e criação da RFFSA”.

A inauguração demarca a nova casa do Museu Ferroviário, porém, simbolicamente, é também um retorno ao local onde toda essa jornada por sobre trilhos começou, a Estação João Felipe, onde hoje pulsa o Complexo Cultural Estação das Artes. Erivany reflete em sua fala do quanto este acervo é capaz de traçar o surgimento de inúmeras famílias por conta da ferrovia. Um espaço cultural que dará à sociedade cearense uma oportunidade de compreender um pouco de suas origens e ensinamentos para o futuro.

“Os jovens não conheceram, assim, muito do transporte ferroviário, por conta exatamente da suspensão do transporte de passageiros com a extinção da RFFSA. Foi uma decisão do governo neoliberal da época. Ao invés de ter feito algo para otimizar, dar mais oportunidades a população mais carente socialmente, fez exterminar. A RFFSA nunca teve o lucro como meta, era uma empresa que tinha um objetivo social bem definido”, explica a referência ferroviária.

Co-curador da exposição “Nos trilhos do tempo. Histórias da ferrovia do Ceará”, em cartaz no Museu Ferroviário, André Scarlazzari aponta como se deu o trabalho de produção da mostra. “Contratamos uma equipe de pesquisa e começamos a trabalhar os conteúdos. Nos aproximamos da Associação dos Engenheiros, que é uma entidade super potente nesse processo, pois são detentores da guarda de todo o acervo. E nesse mais de um ano para cá, a coisa começou a tomar corpo e começamos a ir para prancheta mesmo desenhar, até que culminou no Museu que inauguramos, depois de dois anos de trabalho. Os ferroviários são uma grande família, são muito unidos. É um fenômeno”, contextualiza o entrevistado.

Avante, ferroviários

Ex-ferroviário, pesquisador, escritor e memorialista, Hamilton Pereira defende que a ferrovia foi o caminho para o desenvolvimento do Ceará. “Como você resguarda essa história? Protegendo os elementos que fizeram parte como a locomotiva, um carro de passageiros, o vagão, um telefone, pedaço de trilho. Quem guarda isso é o Museu, que recebe e preserva estes materiais e documentos para posteridade”, adianta o neto e filho de ferroviários.

“Tínhamos um espaço museológico muito rico no tempo da RFFSA. Com a evolução das políticas ferroviárias e consequente privatização, a nova empresa, a Companhia Ferroviária do Nordeste, não se interessava pelo Museu. A instituição foi desativada e a Associação dos Engenheiros trouxe todos os itens para cá, tentando fazer um Museu por aqui”, descreve acerca destes anos dedicados à preservação do material.

Engenheiro e presidente da AERVC, Marcos Cabral divide memórias, como o fator de ter praticamente nascido dentro do complexo ferroviário onde hoje funciona o Complexo Estação das Artes. “É família, irmão, tio. Todos ferroviários. É uma satisfação termos conseguido o intento da inauguração do Museu Ferroviário, que foi muito difícil e continuaremos a luta”, anuncia.

E continua com notícias animadoras. “Almejamos há muito tempo este momento. É como Hamilton fala, este acervo inicial é uma ‘fatia do bolo’ e ele é grande. Temos muito mais para mostrar ao povo. É uma parte apenas. Foi um alento, pois batalhamos pelo Museu por décadas”, avalia Marcos Cabral.

Criador da obra “Ferrovia em miniatura: Memórias das Oficinas do Urubu”, exposta atualmente no Museu, o ferroviário metalúrgico Antônio Simão resgata que a desativação do Museu Ferroviário no fim dos anos 1990 foi um duro golpe para os trabalhadores e trabalhadoras da RFFSA. “Ficou todo mundo atabalhoado, perderam a identidade. Agora, foi resgatado. O Museu Ferroviário, hoje em dia, resgata a história da ferrovia no estado e também o Norte-Nordeste. Temos um lugar para ir, ver. O ferroviário tem uma casa para ficar”, afirma.

Sua obra exposta, uma maquete de cinco metros que retrata fielmente as “Oficinas do Urubu”, é um trabalho que une dedicação e amor incondicional pelo ofício. Nos próximos anos, um livro sobre a trajetória dos ferroviários cearenses deve ampliar ainda mais este serviço de salvaguarda da memória, prevê.

“O que é ser ferroviário? É difícil definir. Paixão não tem explicação, já procurei e não encontrei. Nós temos muitos causos. Secas, enchentes, arrombamentos… Tudo isso contado ali, na beira da linha. Temos muito para dizer”, completa Antônio Simão.

Segundo Hamilton Pereira, a missão para o futuro é trazer o restante do acervo, como máquinas, locomotivas, vagões e outros elementos que enriquecem. “O ferroviário é igual ao trem, não pode parar”, finaliza.

Museu Ferroviário Estação João Felipe
Visitas de quinta-feira a sábado (12h às 20h); e aos domingo (10h às 18h).
Acesso até 30 min antes do fechamento.
Gratuito