Uma mulher que nutre afetos e acolhimento no dia a dia do Abrigo Tia Júlia

25 de março de 2024 - 11:34 # # #

Rafaela Leite - Ascom SPS - Texto
Beatriz Souza - Foto

Mulher negra e cozinheira no Abrigo Tia Júlia, Didi conta sua luta por local de direito, combate ao racismo e o afeto que nutre diariamente com as crianças acolhidas

Acordar cedo, trabalhar preparando as refeições e nutrir, neste meio tempo, relações de carinho e acolhimento. É assim a rotina de Josélia Palhano, 59 anos, a tia Didi. Mulher negra, mãe e cozinheira no Abrigo Tia Júlia Primeira Infância, Didi constrói, diariamente, uma relação que se estende para fora da cozinha, e permeia os espaços do abrigo e o afeto das crianças acolhidas.

Coordenado pela Secretaria da Proteção Social (SPS), o Tia Júlia Primeira Infância atende crianças de zero a sete anos de idade. Com fumaça saindo da chaleira, panelas no fogo e um sorriso que transborda, ela conta que são quase cinco anos de história no abrigo, onde acompanhou e viu crescer diversas crianças.

“Minha relação com as crianças é boa demais, dá umas folguinhas na cozinha, a gente está por aqui com eles, porque como é uma residência, não é muito separado. O bom da residência é isso, que mesmo você estando lá na cozinha, você estando lá na limpeza, você faz parte da vida dos bebês, porque você está em todo lugar da casa”, explica.

Paraibana, Didi veio para o Ceará ainda pequena, com 4 anos de idade. O apelido surgiu ainda na infância. Já a história com a cozinha começou na adolescência, quando morou na casa de uma professora de arte culinária. “Foi uma coisa de paixão mesmo, eu gosto de cozinhar, tenho amor pela culinária, aí eu disse ‘quer saber, vou fazer disso uma profissão’”, lembra.

Didi faz questão de destacar as problemáticas sociais e lutas diárias que enfrenta desde a infância, e que se intensificam por seu recorte racial. “Não foi assim ‘ah, eu escolhi ser cozinheira, e vai ser sempre bom, onde eu chegar eu vou conseguir’, não. Não é assim. Infelizmente, sempre há o racismo, preconceitos. Infelizmente, às vezes nós passamos por constrangimentos”.

“Como mulher negra, eu luto pelos meus direitos todo dia, pelo meu lugar ao sol. Você tem que batalhar mesmo, tanto em casa, na rua, dentro do ônibus. Em todo lugar você sente que tem que se impor mesmo. Antes foi bem mais difícil, como criança, como adolescente eu passei por uns perrengues, pela minha cor, mas nunca desisti. Não tem esse negócio de “ah, eu vou baixar minha cabeça ou não vou me encaixar ali porque eu sou negra”, ah, comigo não existe isso não. Todo lugar eu me encaixo, entro e fico lá”, completa.

Moradora do bairro Bom Jardim, Didi acorda às 4h da manhã, pega três ônibus e viaja até o outro lado da cidade para chegar ao Tia Júlia. “Nesses cinco anos, acompanhei, vi crescer muitos que estão aqui e vão embora. É bom demais, porque você vê desde bebezinho no colo, e vai vendo eles se desenvolvendo. E é muito engraçado, porque mesmo não sendo pra você se apegar, você se apega. Não tem jeito”, afirma.

O espaço conta com 46 profissionais, dos quais 44 são mulheres. Elas formam uma equipe multidisciplinar que dispõe, entre outros, de assistentes sociais, psicólogas, nutricionistas, cuidadoras e apoio administrativo. Atualmente, onze das 19 crianças acolhidas são meninas.

No dia-a-dia do Abrigo, a tia Didi é referência e figura constante. No manejo do trabalho, na atenção que dá para as crianças e na memória e cuidado que compartilha com cada um deles. “Aqui eu acho que todo mundo se sente um pouco mãe, um pouco tia, um pouco vó. Aqui, eu penso que a referência deles somos nós. Não é só aquela parte, ‘ah, eu vou sair de casa pra ir só trabalhar’, não. A gente vem porque a gente cuida deles, dedicamos os nossos dias”, reflete.