Comida como portal de afeto: “Dia do Desejo” reconecta pacientes do HGF às suas melhores memórias

3 de julho de 2025 - 19:28 # # # #

Texto e fotos: Eva Sullivan - Ascom HGF

A paciente Magna Kelly escolheu comer pamonha e pediu um sorvete como sobremesa, uma combinação que a transportou diretamente para as lembranças de casa: “a gente sente que é amada, que tem gente cuidando da gente”

A comida tem uma capacidade única de nos transportar. Basta um cheiro, um tempero ou uma receita e, de repente, estamos de volta ao almoço de domingo com a família, à cozinha da avó, ao colo da mãe. No Hospital Geral de Fortaleza (HGF), equipamento da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa), essa força da memória afetiva tem sido usada como ferramenta de cuidado, através do “Dia do Desejo”.

O projeto de humanização foi criado em 2023 pelo setor de hematologia, a partir de uma proposta apresentada por residentes da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE). Desde então, a ação acontece quinzenalmente e já se tornou um dos pilares do cuidado emocional oferecido no HGF.

“É uma forma de trazer conforto em um momento tão delicado. Os pacientes perdem o paladar, sofrem com inflamações nas mucosas, ficam longe da família por muito tempo. Então, essa comida de casa, que eles mesmos escolhem, é um gesto que nutre também o espírito”, afirma o médico hematologista Rodrigo Monteiro.

Escuta, memória e afeto

Profissionais visitam os pacientes e perguntam: “o que você gostaria de comer?”

Coordenado por uma equipe multiprofissional, o projeto começa com a escuta. O desejo é anotado e compartilhado com familiares, que preparam as refeições com orientação da equipe nutricional, sempre respeitando as restrições alimentares e os protocolos de segurança do paciente.

A nutricionista Rosângela Alencar explica que a condução prática do projeto envolve cuidado, carinho e também muita organização. “Quando a refeição chega, ela é entregue na Unidade de Serviços Gerais, Comunicação e Administração (USGA) do HGF, passa pela triagem da segurança com autorização da nutrição, e sobe para a copa da ala A. Lá, os alimentos são cuidadosamente inspecionados. A gente usa máscara, luva, retira as embalagens externas e organiza tudo no carro de distribuição. Complementamos com suco, fruta, talheres apropriados, sem palitos ou objetos cortantes. Tudo é feito com base em protocolos rigorosos, inclusive a pedido da equipe médica”, relata.

Por trás de cada pedido, há uma história. Um prato que lembra a infância, uma receita que só a mãe sabe fazer. A comida vira um portal. É como se, por alguns minutos, eles estivessem em casa de novo”, explica o assistente social Marcos Paulo.

Na hematologia, segundo o médico Rodrigo Monteiro, tentam fugir do modelo centrado na doença. “Nosso compromisso é cuidar do paciente como um todo”, conta. “Muitos chegam exaustos, desgastados, emocionalmente abalados. E quando sabem que na próxima semana vão receber aquele prato que lembra a casa, a mãe, os filhos… isso vira uma motivação para seguir lutando”, reforça o assistente social.

Marcos conta que, mesmo sendo um projeto centrado na alimentação, o Dia do Desejo acaba acessando mais que o paladar dos pacientes. “Às vezes, o paciente não quer a comida, quer algo que represente o amor deles por alguém, algo que sirva como canal de aproximação, como foi o caso de um senhor que sempre pedia os pratos que os filhos gostavam, só para sentir que eles estavam por perto”, lembrou.

O gosto de casa

O senhor Antônio Zildo saboreou um peixe cozido preparado com carinho pela filha

Antônio Zildo da Silva Queiroz, 52, morador de Capistrano, está internado para tratamento de leucemia no HGF. Ele não escondeu a emoção ao compartilhar da experiência de receber uma refeição feita pela filha. “Foi a minha filha que fez e trouxe. Parece que a gente sente mais o gosto da comida. Não tem comparação a comida da casa da gente. Vem do coração, né”, contou.

Magna Kelly de Lima Silva, de 22 anos, vinda de Potiretama, resumiu a iniciativa da equipe em uma palavra: humanidade. “A alimentação mexe muito com a gente. Quando comi pamonha, me senti indo para casa. Depois, comi macarrão, sorvete… É como um amparo. Mesmo longe de casa, da família, a gente sente que é amada, que tem gente cuidando da gente”, disse, emocionada.

Marcos Paulo diz que, para ele, o Dia do Desejo é um lembrete diário de que escutar é, por si só, uma forma de cuidar. “O que eles desejam comer vem sempre com uma justificativa. E essa justificativa diz muito sobre o que eles estão sentindo. Quando a gente escuta com atenção, entende que aquilo é muito maior que uma refeição diferente. Às vezes, representa um lugar, uma lembrança ou até mesmo o amor da vida de alguém”, finaliza o médico.