Canabidiol no TEA: o que revela a pesquisa da Uece

14 de julho de 2025 - 14:45 # # # #

Texto e fotos: Adriana Rodrigues / Ascom Uece

Para divulgar os resultados da pesquisa, a Uece realizará uma série de seminários. Em Fortaleza, o evento será em 31 de julho, no campus Itaperi

Há um ano, a Universidade Estadual do Ceará (Uece) teve uma proposta de pesquisa selecionada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para financiamento por meio do Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde do Ministério da Saúde (Decit/SECTICS/MS). O projeto da Uece teve como objetivo mapear as evidências disponíveis na literatura sobre a eficácia, tolerabilidade e efetividade do canabidiol (CBD) como tratamento para crianças e adolescentes com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

A pesquisa foi concluída, e a equipe de cientistas entra agora na fase de divulgação dos resultados. As principais conclusões são apresentadas pelo coordenador do estudo, professor Gislei Aragão. Ele explica que os dados indicam um possível efeito positivo do CBD em alguns sintomas do autismo, embora ainda sejam necessárias mais pesquisas para garantir segurança e eficácia.

“Nossos resultados indicam que a cannabis medicinal pode ter efeitos positivos em sintomas como agitação, comportamentos disruptivos e padrões repetitivos em algumas crianças com TEA, especialmente segundo relatos dos pais. No entanto, os efeitos são variáveis, e os estudos apresentam risco de viés moderado e evidência de baixa a moderada qualidade. Não há, até o momento, comprovação robusta de eficácia para os sintomas centrais do autismo, como comunicação social. Além disso, os efeitos adversos são geralmente leves, como sonolência e diminuição do apetite”, conclui o professor Gislei Aragão.

A falta dessa comprovação robusta de eficácia, como destaca o professor, se deve ao fato de que foram identificados artigos com grande variedade de tipos de estudo e com poucas pesquisas clínicas. “O principal desafio foi a alta heterogeneidade dos estudos incluídos. Encontramos variações significativas no tipo de formulação usada (CBD em várias proporções diferentes), nas doses, nas escalas de avaliação dos sintomas e no desenho dos estudos. Além disso, havia diferenças importantes no perfil dos participantes, no tempo de tratamento e nos desfechos medidos”, explica o coordenador da pesquisa.

A previsão inicial era realizar uma revisão sistemática com metanálise, ou seja, selecionar os melhores estudos clínicos já realizados no mundo e analisar seus resultados de forma combinada. No entanto, a diversidade dos estudos impediu a consolidação estatística dos dados por meio de uma metanálise confiável e segura. “Isso indica que, embora o interesse social e clínico pelo uso da cannabis medicinal no autismo tenha crescido, a ciência ainda está em estágios iniciais… o que reforça a necessidade de mais pesquisas rigorosas para fornecer respostas mais confiáveis sobre eficácia e segurança”, avalia o professor Gislei Aragão.

Mudanças de percurso em estudos científicos são comuns. A ciência é um processo dinâmico, e a adaptação é parte natural da investigação. Conforme os dados são obtidos e examinados, os pesquisadores muitas vezes precisam adaptar suas abordagens para assegurar o rigor metodológico e a fidelidade aos objetivos da pesquisa. De acordo com o pesquisador, “isso não enfraquece a pesquisa, pelo contrário, mostra compromisso com a qualidade científica”.

Com a impossibilidade de realizar a metanálise, os pesquisadores optaram por aprofundar a análise qualitativa dos estudos, o que permitiu ao grupo interpretar criticamente os dados disponíveis e identificar lacunas importantes na literatura científica.

Com os resultados encontrados, a equipe espera contribuir para o debate informado sobre o uso da cannabis medicinal no TEA. “Os dados reforçam a urgência de políticas públicas que incentivem pesquisas clínicas independentes, seguras e éticas no Brasil”, ressaltou o professor Gislei, que sugeriu, ainda, cautela nas orientações clínicas, reforçando que, embora o CBD seja promissor, cada caso deve ser avaliado e aplicado sob supervisão médica especializada, com acompanhamento rigoroso dos efeitos.

Para as famílias das pessoas com TEA, o coordenador da pesquisa deixa uma importante mensagem: “Compreendemos a busca por alternativas que possam melhorar a qualidade de vida das crianças com TEA. O canabidiol é uma dessas possibilidades, mas ainda carece de estudos conclusivos. Por isso, é fundamental que as decisões sejam tomadas junto a profissionais de saúde qualificados, com base em evidências científicas e segurança. A esperança deve caminhar junto com o conhecimento científico, e é isso que buscamos construir com esta pesquisa”.

Também entre as principais conclusões, os cientistas salientam que, mesmo com as limitações atuais, a área está em crescimento, e o Brasil tem capacidade científica e institucional para conduzir estudos de alta qualidade sobre cannabis medicinal. As descobertas e lacunas identificadas pelos pesquisadores da Uece são consideradas fundamentais para orientar futuros estudos e práticas clínicas baseadas em ciência.

Os artigos sobre o estudo financiado pelo Ministério da Saúde estão sendo escritos e, em breve, serão submetidos para publicação em periódicos científicos. Para divulgar os resultados à população em geral, a Uece realizará uma série de seminários em Fortaleza, Redenção, Crateús e Cariri.

Os seminários serão abertos ao público, com inscrição prévia. Em Fortaleza, o evento será realizado em 31 de julho, no campus Itaperi. Também serão abertas inscrições para escolas, instituições, associações e outros interessados em solicitar palestras sobre o tema.

São responsáveis pela pesquisa, os professores da Uece, Gislei Frota Aragão, Carla Barbosa Brandão, Valter Cordeiro Barbosa Filho, Paulo Sávio Fontenele Magalhães e Cidianna Emanuelly Melo do Nascimento; e a docente da Universidade Federal do Ceará (UFC), Kelly Rose Tavares Neves; com a colaboração dos membros do Laboratório e Grupo de Estudo em Neuroinflamação e Neurotoxicologia (Lanit/Genit/Uece), Iara Vasconcelos, Madna Freitas, Renê Freitas, Quezia Jones, Maria Helena Pitombeira e Ruth Maria Moraes.