Esperança em movimento: os bastidores dos transplantes no HGF e HM, unidades de referência no Ceará
17 de setembro de 2025 - 14:10 #Bastidores #Ceará #HGF e HM #transplantes #Unidades referências
Eva Sullivan e Jessica Fortes - Ascom HGF e HM - Texto e fotos
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Tudo começa com uma ligação. Do outro lado da linha, a Central de Transplantes informa: “há um potencial doador”. Em poucos minutos, uma engrenagem inteira entra em movimento. Equipes são acionadas, motoristas se preparam, enfermeiros organizam a chegada dos pacientes e médicos correm contra o relógio para que a cirurgia de transplante de órgãos aconteça no tempo certo. Uma corrida silenciosa, mas que, no fim, significa uma nova chance de viver.
Essa mobilização se repete com frequência no Hospital Geral de Fortaleza (HGF) e no Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (HM), equipamentos da Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) e referências em transplantes. Por trás de cada cirurgia, existe uma rede inteira funcionando com precisão, cuidado e humanização.
Esforço e esperança
André Macedo: “O transplante é uma engrenagem que só funciona porque cada peça cumpre o seu papel”
Para o coordenador médico e responsável técnico do transplante hepático do HGF, André Macedo, muita gente, às vezes, atribui o sucesso do procedimento somente a quem, de fato, o executa. “Mas, na verdade, existe uma engrenagem por trás — pessoas que trabalham para fazer isso acontecer. E eu julgo que todas elas são igualmente importantes: da zeladora que deixou a sala do centro cirúrgico limpinha, sem infecção, até quem viabilizou o transplante”, reforça.
Para quem atua na linha de frente dos transplantes, a emoção nunca se perde, mesmo após anos de experiência. “A sensação é sempre indescritível. É gratificante ver aquele fígado trazendo vida de volta para o paciente e para toda família. É o instante em que todo o esforço da rede envolvida se traduz em esperança concreta”, relembra o médico.
Engrenagem em movimento
No Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (HM), a enfermeira Viviane Moreira, 44 anos, acompanha há sete anos a condução dos transplantes de coração e de pulmão. Ela é a ponte entre a Central Estadual de Transplantes e as equipes do hospital, coordenando as etapas que precisam ser cumpridas em tempo recorde. “Tudo precisa estar sincronizado. O tempo é valioso e cada segundo conta”, explica.
“Tudo precisa estar sincronizado para dar certo. O tempo é muito valioso e cada segundo conta”, explica Viviane Moreira
No caso do coração, por exemplo, quando a Central sinaliza sobre o potencial doador, um cardiologista vai até o hospital, onde está o doador, para realizar um ecocardiograma e avaliar a viabilidade do órgão. Ao mesmo tempo, em Messejana, a engrenagem já está em movimento: dois receptores compatíveis em prioridade na fila são contatados, leitos de enfermaria e UTI são reservados, o centro cirúrgico prepara materiais, o banco de sangue separa hemocomponentes e os exames laboratoriais são realizados. Cirurgiões, anestesistas, enfermeiros, técnicos e motoristas entram em alerta.
“Doador e receptor entram quase simultaneamente em salas diferentes, em hospitais diferentes, com equipes diferentes. No caso do coração, o tempo máximo de isquemia — período em que um órgão é privado de circulação sanguínea antes do transplante — é de quatro horas e pulmão, até seis horas. É uma verdadeira corrida contra o tempo”, explica Viviane.
Esperança sobre rodas
Se no hospital a pressa é por preparar o paciente e a estrutura, nas ruas ela se traduz em responsabilidade. É o que vive o motorista Pedro Felipe Xavier, 42 anos, que atua há seis no setor de Transporte do HM e há dois anos, integra a equipe de transplantes. Ele já participou de dez captações.
“Quando saio, levo profissionais de saúde; quando volto, trago mais vida, que é o órgão”, resume. Segundo ele, a comunicação e a agilidade são fundamentais para a logística funcionar e todos são importantes no processo.
Pedro Felipe Xavier: “Cada segundo é importante”
O deslocamento pode ser até o aeroporto — quando as captações acontecem nos Hospitais Regionais, ou fora do estado, como no Rio Grande do Norte, — ou em Fortaleza, em unidades como o HGF e o Instituto Dr. José Frota (IJF). “Cada segundo é importante, mas nunca podemos colocar em risco a vida da equipe. Por isso, a escolta da Autarquia Municipal de Trânsito e Cidadania (AMC) é fundamental para abrir caminho e garantir segurança”, destaca.
Pedro lembra com emoção o dia em que transportou uma criança para transplante no HM. Ela estava ligada a vários aparelhos e acompanhada dos pais. “Vi nos olhos dela a vontade de viver. Quando chegamos e retiramos a criança e os equipamentos da ambulância, os pais me abraçaram em agradecimento. Esse gesto me marcou para sempre”, recorda.
No Hospital de Messejana, os motoristas se revezam para acompanhar as equipes do transplante cardíaco e pulmonar nas captações
Ao lado dele, outros motoristas, como Jorge Henrique Araújo, 48 anos, compartilham da mesma emoção. “Todo o processo é sigiloso. Não sabemos quem doa nem quem recebe, mas entendemos a importância do nosso trabalho: carregamos esperança”, diz.
O reconhecimento da equipe médica, de enfermagem e das famílias, também é motivo de orgulho para os profissionais. “Cada captação traz uma emoção diferente. Nunca vou me acostumar, porque sei que estou ajudando a transformar a vida de alguém. Fazemos parte da mesma corrente de vida e é isso o que dá sentido ao nosso trabalho”, reforça Pedro Xavier.
A vida que recomeça
Quem viveu esse recomeço sabe o que ele representa. A artista Lídia dos Anjos, 38, fez um transplante renal há quinze anos e, ainda hoje, guarda viva na memória o som do telefone tocando naquela manhã do dia 29 de maio. “Quando eu acordei com aquela ligação, sabia que era a vida sorrindo para mim. Eu já sentia que aquele rim seria meu”, conta.
Ela fala com gratidão da família que, em meio a dor da despedida, autorizou a doação. “Quando uma família, dilacerada pela perda, consegue dizer ‘sim’, ela não salva apenas um paciente. Ela devolve alegria a uma família inteira, faz sorrir amigos, renova a esperança de muita gente. Eu sou prova disso. Carrego comigo a certeza que o amor salva”, conta, emocionada.
No caminho para o transplante, Lídia ainda viveu uma cena marcante — o carro em que estava quebrou após um acidente com um ônibus. Quando os passageiros souberam que ela ia fazer um transplante, começaram a aplaudir, vibrar por ela e até empurrar o carro para que chegasse a tempo ao hospital. “Não consigo explicar, mas sentia que tinham muitas mãos me levando ao transplante”, relembra.
Após 15 anos, Lídia segue acompanhada pela equipe do HGF, porque o cuidado é permanente
O destino ainda reservava um detalhe simbólico. Quem dirigia era Irissena Melo, transplantado no Hospital de Messejana Dr. Carlos Alberto Studart Gomes (HM). “Foi muito simbólico uma pessoa que já tinha recebido uma segunda chance me levar até a minha. Isso nunca vou esquecer”, diz.
Para a médica Ticiana Esmeraldo, o transplante não termina quando a cirurgia acaba. “Eu costumo dizer que é um casamento sem divórcio. O paciente será acompanhado para sempre. É o compromisso que garante que aquele órgão continue funcionando e que a vida siga”, reforça.
Ela lembra que muitos pacientes, no retorno, já voltam com um brilho novo no olhar. “Ver alguém que estava entre a vida e a morte chegar sorrindo, tocando a vida, sonhando de novo, é a maior recompensa”, diz, emocionada.
Cada transplante é mais que uma cirurgia. É a soma de esforços, o gesto solidário de uma família e a dedicação de profissionais que fazem a vida recomeçar.
Setembro verde
Durante o mês de setembro, a Sesa traz uma série de reportagens que abordam a doação de órgãos, reforçando a importância do ato e, também, o esforço conjunto entre profissionais da saúde e familiares para que vidas sejam transformadas.
A série tem alusão à campanha Setembro Verde, que aborda a conscientização para a doação de órgãos e tecidos.
Nas reportagens, você também confere a relevância do diálogo como caminho facilitador para a tomada de decisão por parte de familiares no momento do luto.