Professor da Uece é semifinalista do Prêmio Jabuti com obra sobre a rampa do Jangurussu
30 de setembro de 2025 - 15:17 #Prêmio Jabuti #professor da Uece #Rampa do Jangurussu #Semifinalista
Ascom Uece - Texto
Divulgação - Foto
Com a obra “Pôr do Sol, Jangurussu”, o professor do curso de Letras da Faculdade de Educação Ciências e Letras do Sertão Central (Feclesc/Uece), Rodrigo de Albuquerque Marques, é um dos semifinalistas da 67ª edição do maior prêmio da literatura nacional, o Jabuti.
Professor Rodrigo é um dos 10 concorrentes na categoria Juvenil, com o livro que traz uma narrativa escrita sobre as figuras humanas que aparecem na exposição “Catadores do Jangurussu”, de Descartes Gadelha, exposta pela primeira vez no MAUC em 1989. Narrado em primeira pessoa por um menino surdo que cata as palavras no interior de uma memória confusa e em demolição, o livro dá voz a outras crianças, velhos, mulheres e homens que um dia trabalharam na rampa de lixo do Jangurussu, o aterro sanitário da cidade de Fortaleza, desativado em 1998. O Menino do Buraco conta como guiou um pintor pela desolada paisagem do lixão, um pintor que pretendia pintar o pôr do sol, mas que acabou sucumbindo àquele espetáculo de guerra, e que fez dele mais um catador, ajudando as famílias e participando da tragédia humana e ambiental. Uma narrativa desconfortável, que nos coloca diante da condição humana, do que ela tem de mais doída e de mais solidária.
O docente fala sobre sua alegria em ter sua obra entre as melhores. “Fiquei muito feliz ao ver o Pôr do Sol, Jangurussu na lista dos semifinalistas do Prêmio Jabuti. Acredito que a força do texto e das imagens de Descartes Gadelha foram decisivas para estar entre os dez melhores na categoria Literatura Juvenil. O tema do lixo e o horror que o consumo capitalista provoca no planeta é um tema atualíssimo e fico feliz de contribuir, em forma de arte e denúncia, de forma crítica para o debate. Resta agora torcer para que o livro vá para a final. A torcida está grande!”, ressalta Rodrigo Marques.
A lista dos semifinalistas, composta por 10 em cada uma das 23 categorias, seguirá para nova fase eliminatória, e no dia 7 de outubro serão anunciados os cinco finalistas que concorrem ao prêmio de R$ 5 mil. Neste ano, 4.350 obras publicadas em 2024 disputam também a categoria especial Livro do Ano, que concede R$ 70 mil ao vencedor e a chance de representar o Brasil na Feira do Livro de Londres, em meio às celebrações do Ano da Cultura Brasil-Reino Unido.
A edição homenageia a escritora Ana Maria Machado, referência na literatura nacional, vencedora de três Jabutis, integrante da Academia Brasileira de Letras (ABL) e premiada com o Hans Christian Andersen, o mais importante reconhecimento internacional da literatura infantil. A autora é carioca e tem 83 anos.
Sobre o autor
Rodrigo Marques é professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece), atua no curso de Letras do campus de Quixadá (Feclesc). É doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará (2015) e pós doutor em Literatura Comparada pela USP. Possui nove livros publicados: Fazendinha (2005), O Livro de Marta (bilhetes de amor quebrado) (2011), ambos premiados pela Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, Antônio Sales (biografia) (2016), Literatura Cearense: outra história (2018), pelas Edições Dummar; A Nação vai à Província: do Romantismo ao Modernismo no Ceará (2018/ UFC), O Dragão e os pássaros enfurnados (2021), Pôr do Sol, Jangurussu (2024), Gerardo Mello Mourão, a Invenção do Poeta (Demócrito Rocha, 2024) e O Ceará Amazônico de Mário de Andrade (Senac/ Fundação Waldemar Alcântara, 2025). Sua tese de doutorado, “A Nação vai à Província: do romantismo ao Modernismo no Ceará”, foi premiada como a melhor tese de 2015 na área de Humanas da UFC.
Descartes Gadelha e Rodrigo Marques
Leia abaixo um trecho do livro
“Se eu fosse pintor, não pintaria o pôr do sol da rampa, que só serve para anoitecer, pintaria o fim do dia da Barra do Ceará, pintaria o rio e o mar, o verde do mangue, os barquinhos encalhados no cais, o sol se desmanchando devagar a escorrer um suco de laranja de caixinha, um raio de alumínio na ponta da tarde, com visgo, com luz de lata. O Sol da rampa é igualzinho ao olho cego do Seu Chico Cego, os raios, um tubo de pasta de dente ao contrário, se eu fosse pintar, pintaria uma casinha branca e um cavalo. O pintor estava com uma xícara de café na mão, a luz da lamparina me disse que os cabelos dele não eram azuis, eram cinzas, seus olhos moviam-se rápidos como duas baratas, suas unhas, um encardido de tintas e ranhuras; gostava muito mais do cheiro do café que o café, os lábios grossos ressequidos, a blusa branca, a barba pinicada de pontos. O vizinho sem nome do Seu Valdir Vigia aproximou-se de mim e foi me dizendo um monte de palavras ocas como se eu ouvisse pelos dois lados da cabeça. Às vezes, ignoram a minha surdez-mudez e juram me arremessar palavras feitas, para mim, as palavras não soam, calam, tumbas, umas maiores do que as outras, seixos, britas, um montão de ferro velho numa bacia de plástico, inúteis num canto, eu as vejo nas grotas, nas paredes, nos potes, nos papéis, nos canos, em todo canto, só não as ouço zunirem. O lixo está carregado de palavras jogadas fora e os desenhos das palavras são as formas mais bonitas que há no mundo. Quantos gestos seriam necessários para trazer uma tinta cor de areia e não outra cor de sangue? O povo do Jangurussu não trabalha, vive à toa esperando a última derrama, disputando com o pássaro algo para beliscar. Fui apresentado ao pintor do sol pelo vizinho sem nome do Seu Valdir Vigia, o vizinho me anunciou, me enlaçou pelos ombros, olhava para mim com um jeito de quem confia num alicerce bem feito ou numa coluna recheada de treliças. O pintor permanecia sentado na lata de querosene com a lamparina a alumiar as olheiras roxas e o café no fundo da xícara. Fui rodado e revirado e todos sorriram para mim quando o vizinho sem nome do Seu Valdir Vigia balançou minha cabeça vermelha com os dedos presos no meu cabelo azul encrespado. O pintor mostrou suas mãos finas para mim e apertou minha mão do mesmo jeito que ele espalhava tinta no quadro, o sol do aterro morria de vez, e nunca, nem antes, nem depois, revi uma tarde como aquela”.
O livro pode ser adquirido na livraria Reticências e na Substância, no Dragão do Mar