Bordado na escola transforma aprendizagem, fortalece vínculos e inclusão na rede estadual
27 de novembro de 2025 - 12:33 #aprendizagem #bordado #Escola #rede estadual
Bruno Mota - Ascom Seduc - Texto
Arquivo Pessoal - Fotos

A prática do bordado, quando desenvolvida dentro do ambiente escolar, é uma ferramenta pedagógica com grande potencial de desenvolvimento cognitivo, emocional, cultural e social. A atividade, profundamente ligada à identidade cultural e à expressão artística do povo nordestino, vem sendo promovida em unidades de ensino da rede pública estadual cearense e tem demonstrado impactos positivos na rotina dos estudantes que dela participam.
Enquanto bordam, os alunos exercitam o foco e a atenção, trabalham a resolução de problemas, estimulam a percepção espacial e aprendem a organizar etapas, planejando início, meio e fim. Além disso, desenvolvem a paciência, ao aceitar processos lentos e evolutivos. Fortalecem, ainda, a persistência, ao não desistir após errar. Ademais, evoluem na autoconfiança, ao ver que o trabalho feito com as próprias mãos resultou em uma obra visível e carregada de sentido.
Indo além de um simples passatempo, o bordado se torna, na escola, uma ação interdisciplinar capaz de conectar diferentes áreas do conhecimento. Na arte, estimula a exploração estética por meio de cores, texturas e composições. Na história e na cultura, permite conhecer estilos tradicionais, como os bordados nordestinos e o bordado livre. Já na matemática, contribui para o desenvolvimento da simetria, da sequência, da proporção, da contagem e da geometria. Na língua portuguesa, favorece a criação de narrativas bordadas, diários têxteis e poemas costurados, ampliando repertórios e formas de expressão.

Vivência
Na Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP) Maria Ângela da Silveira Borges, em Fortaleza, 20 alunos participam atualmente do projeto de bordado. São dois encontros a cada semana, às terças e sextas-feiras, sempre no horário do almoço.
Heloísa Fernandes, de 16 anos, faz a 1ª série do curso técnico em Portos na escola. A jovem, que já sabia fazer tricô há algum tempo, revela sempre ter tido interesse em aprender a bordar, e por isso aderiu à iniciativa em março passado. A partir de então, ela conta que percebeu mudanças na própria maneira de pensar e de agir.
“O bordado me ajudou com o foco e a concentração. Mais do que uma atividade extracurricular, se tornou uma prática de calma. Ele me tirou o tempo de tela. Eu tenho problema de ansiedade, por conta do vício no celular. Então, minha psicóloga havia recomendado que eu fizesse trabalhos manuais. Normalmente, bordo qualquer coisa que ache bonita ou que me represente. Tenho um casaco da escola em que treino constantemente. E também bordei o presente de aniversário de 80 anos da minha avó”, narra Heloísa.
Expressão terapêutica
No Centro de Educação de Jovens e Adultos (Ceja) Monsenhor Hélio Campos, situado na capital cearense, as oficinas de bordado existem há dois anos, sob a orientação da professora Franci Guedes. As aulas ocorrem às segundas-feiras. Em 2025, os professores organizadores tiveram a ideia de lançar um projeto especial, denominado “Nas Linhas da Arte”, que começou em agosto passado e será concluído no próximo dia 3 de dezembro, com uma exposição aberta ao público das obras feitas pelas 17 alunas participantes. O evento será realizado na própria escola, das 9h às 21h.

A trajetória de retorno aos estudos marcou um novo capítulo na vida de Ângela Maria da Costa, de 53 anos, aluna da EJA – Ensino Médio no Ceja Monsenhor Hélio Campos. O reencontro com a escola começou entre 2023 e 2024, inicialmente motivado pelo acompanhamento do filho autista, que já havia ultrapassado a faixa etária da educação regular. Ao trazê-lo para as aulas do Ensino Fundamental, Ângela passou a conviver novamente com o ambiente escolar e, a partir dessa vivência, despertou o desejo de retomar a própria formação. Ingressou na EJA no fim daquele ano e, em abril de 2024, iniciou a participação no projeto de bordado. Até então, não tinha experiência com a técnica, mas o interesse foi crescendo à medida que ouvia os relatos das colegas e via os trabalhos expostos em eventos.
“Quando entrei, vi que era tudo aquilo que imaginava: muita interação entre as pessoas, a turma se ajudando, a professora e as colegas se dedicando àquelas que estão iniciando. A experiência do bordado tem sido para mim uma válvula de escape. Passo a semana toda esperando chegar a segunda-feira. Quando chego aqui, é como se estivesse numa terapia, em que tenho a oportunidade de me distrair. Saio mais leve e tranquila, renovada para o restante da semana. Aqui não é só o bordado que a gente aprende. Aprendemos a regular os nossos sentimentos e anseios. Com essa prática, tenho conseguido, também, acompanhar melhor os conteúdos e feito as provas com mais tranquilidade, não ficando nervosa e insegura como ficava antes”, detalha.

Conexão
O professor Daniel Vieira, auxiliar das oficinas e coordenador do “Nas Linhas da Arte”, explica que, ao usar o bordado como ponto de partida, valoriza-se a habilidade das alunas, que se veem como agentes criativas, capazes de reinterpretar e dialogar com o patrimônio cultural da humanidade.
“O projeto surgiu da ousadia de conectar essa forma de expressão, já dominada pelas alunas do curso de bordado, com a história da arte dita ‘erudita’. Acreditamos que, ao explorar grandes obras e movimentos artísticos, as alunas não apenas expandirão seu repertório cultural, mas também desenvolverão uma nova perspectiva sobre sua própria prática. Essa interlocução entre a arte popular e a erudita é crucial para um processo de educação libertador. O projeto busca, portanto, ir além da técnica, promovendo uma reflexão crítica e humanizadora, na qual a arte é vista como uma ferramenta de empoderamento e expressão individual”, ressalta.

Inclusão
Na Escola de Ensino Médio (EEM) Ubirajara Índio do Ceará, também em Fortaleza, os alunos acolhidos pelo Atendimento Educacional Especializado (AEE) encontram na arte uma forma de expressar sentimentos, promover regulação emocional e desenvolver novas habilidades. O serviço, que se caracteriza por prestar apoio complementar ou suplementar para alunos com deficiência, transtorno do espectro autista (TEA) e altas habilidades/superdotação, incluiu a prática de bordado, pintura, crochê e desenho entre as atividades ofertadas. Apenas no bordado, há atualmente 13 alunos participando.
A psicopedagoga Lucineide Melo, responsável por acompanhar os estudantes no AEE, lembra que resolveu utilizar a arte terapia em sala de aula a partir dos conhecimentos e habilidades que já tinha em crochê, bordado e costura. A educadora entende que a escola precisa, mais do que transmitir conteúdos, contribuir para a construção da cidadania, da autonomia e da liberdade dos alunos.
“Nesses trabalhos manuais é associado o ensino da matemática, da história, da geografia, da filosofia, da arte, da escuta, do acolhimento, de valores e princípios. Reconhecendo as potencialidades e as limitações dos estudantes, vai-se fazendo um processo educacional motivador, prazeroso, alegre e acolhedor. Existe na arte terapia uma grande força de atração demonstrada na solidariedade e na cooperação entre os participantes. Observou-se o fortalecimento de um ambiente inclusivo e acolhedor, com integração entre os setores da escola, a promoção da saúde mental, a valorização da cultura e da diversidade, bem como o reconhecimento do valor pedagógico e afetivo da prática”, considera.