Com a Lei de Incentivo ao Esporte, escolinhas de surfe ajudam a transformar a vida de jovens da periferia em Fortaleza

19 de julho de 2019 - 11:57 # # #

André Victor Rodrigues Texto
Davi Pinheiro Fotos

O projeto Surf Resgatando Sonhos é um dos beneficiados pela Lei Estadual de Incentivo ao Esporte (LIE) no Ceará. Com material esportivo de qualidade assegurado, a iniciativa contempla quatro escolinhas de surfe gratuitas para a comunidade

Com investimento de quase R$ 10 milhões, a Lei Estadual de Incentivo ao Esporte tem viabilizado a execução de projetos esportivos que impactam diretamente a vida de milhares de pessoas em todo o Ceará. Atualmente são 31 iniciativas a receber recursos provenientes da renúncia fiscal do Governo do Ceará junto a entidades do setor privado. Nesta forma democrática de financiamento de políticas públicas para o Esporte, quem ganha são aqueles que mais necessitam. Bom exemplo disso é o cenário hoje vivenciado por centenas de crianças e adolescentes atendidas pelo Surf Resgatando Sonhos, um dos projetos beneficiados com o incentivo, que garante toda a estrutura para quatro escolinhas de surfe destinadas ao atendimento da juventude em comunidades que entornam as praias da Barra do Ceará, Leste Oeste, Praia do Futuro e Taíba.

A ideia de investir no social por meio da prática do surfe apareceu para a educadora física Carol Teles quando ela mesmo começou a fazer aulas nas areias da Leste-Oeste. Logo identificou ali a carência de iniciativas sociais existente na região. Com o apoio do também educador físico Sousa Júnior, elaborou e inscreveu o projeto do Surf Resgatando Sonhos em edital da Lei de Incentivo ao Esporte. Quando tiveram a iniciativa aprovada e o investimento garantido, correram para a realização. O projeto teve início oficial no último mês de junho.

“No mês de maio iniciamos as inscrições e a divulgação do projeto nas escolas no entorno dos núcleos (as quatro escolinhas). Foram visitadas 21 escolas, realizando a inscrição de 317 beneficiados no projeto”, explica Carol. Atualmente 135 crianças estão matriculadas para as aulas. Na Capital, os núcleos de surfe contemplados são a Escola Itim Silva Surf School (Leste Oeste), a Escola PF Surf School (Praia do Futuro) e a Escolinha de Surf Cesar Silva (Barra do Ceará). Localizada na Praia da Taíba, em São Gonçalo do Amarante (Região Metropolitana de Fortaleza), a Casa Pas completa a lista.

As aulas de surfe para a comunidade são realizadas de terça a sexta-feira, nos turnos de manhã e tarde, nas quatro escolinhas. Cada aluno é acompanhado duas vezes por semana, dentro do intervalo de uma hora de duração para cada aula. Para as atividades, os núcleos receberam material esportivo completo para atender as crianças e uma equipe especializada tecnicamente, entre professores e instrutores. Crianças, adolescentes e jovens portadoras de deficiência também são contempladas.

Responsável por acompanhar as demandas das escolinhas, Sousa Júnior afirma que não conhecia a orla da Barra do Ceará até ir ao local do núcleo no bairro. Foi entregar o material esportivo novo para a meninada. “Eles aguardavam ansiosos. Quando chegou o caminhão com as pranchas e todo o resto de materiais novos, foi uma cena muito emocionante. Muitas crianças choravam de emoção. Isso marcou muito para mim. Esses jovens só precisam de oportunidade. Fiquei impactado com o encantamento deles”, testemunha.

Sousa avalia que a Lei do Incentivo ao Esporte tem papel essencial para ajudar no resgate de jovens que vivem em áreas com alto índice de criminalidade. “Nós percebemos que o surfe poderia ser usado como ferramenta para tirarmos a criançada da rua. Pegamos eles no contra-turno da escola e ofertamos uma atividade de qualidade. Essas escolinhas já funcionavam e cumpriam papel social. Só que tinham estrutura precária. A Lei veio para fortalecê-las. Hoje eles têm todo o suporte com prancha, parafina, protetor solar, camisas de proteção solar.”

Diversão e responsabilidade

Quando bate no relógio o horário da aula, as crianças já estão muito bem orientadas e sabem o que fazer: aguardam o momento certo de receber o material, vestir a camisa do projeto e preparar para o aquecimento na areia. São nas escolinhas que elas aprendem muito, para além do esporte, sobre o que é ter responsabilidade, sobre os deveres e sobre cidadania.

Escorado na sombra da escolinha da Barra do Ceará enquanto a sua turma organiza a saída rumo ao mar, o adolescente Andresson Lucas, 13, brinca com os colegas de prancha e já desenha no ar, com imaginação a mil, tudo o que deseja fazer na próxima hora de aula. “Eu já surfo há quatro anos, mas nunca tinha tido uma escolinha assim. É muito bom aqui, porque é organizado e a galera é legal. A gente aprende muita coisa, sabe?”, conta sorridente.

Andresson e sua galera recebem o chamado do professor César Silva e enfim vai para o momento mais esperado do dia, o surfe. Criado na Barra do Ceará, César surfa desde 1991. Virou professor em 2008 e, desde então, caminha junto aos projetos sociais para a comunidade a qual pertence até hoje.

“O surfe transformou a minha vida. Através do que a prática desse esporte fez por mim, quero ajudar a transformar a vida dessa meninada toda também. Quero colaborar para que as crianças realizem sonhos, estudem, tenham um futuro melhor pela frente e uma vida melhor”, afirma o educador.

Atletas e cidadãos

Surfista profissional, o cearense Itim Silva tem escolinha que ajuda a muitos jovens na praia da Leste Oeste. Com a chegada do Surf Resgatando Sonhos, ele avalia que o seu trabalho ganhou importante aliado para ajudar na vida de tantos alunos.

“Com 30 dias de projeto a gente já vê uma mudança na atitude dos nossos alunos. Eles chegam meio bravos, agressivos. Hoje eles já são mais educados, respeitam as instruções. Isso é resultado do trabalho de não só formar atletas, grandes surfistas, mas também formar cidadãos para a comunidade”, detalha.

Em sua apresentação, o projeto Surf Resgatando Sonhos destaca a missão de promover a integração social, com responsabilidade ambiental e educacional, o bem-estar, a qualidade de vida, além de diminuir a criminalidade e a evasão escolar. Durante o seu primeiro mês, os testemunhos de todas as partes da ação social acumulam bons relatos acerca de como os valores do esporte, tais como o respeito às regras, o respeito ao próximo, o respeito à natureza e o trabalho em equipe, estão modificando o modo de vida dentro das comunidades atingidas.

Lei de Incentivo ao Esporte

Com primeiro edital publicado em 2017, a Lei de Incentivo ao Esporte do Ceará busca, por meio de incentivo fiscal, fomentar projetos de caráter esportivo e paradesportivo mediante patrocínio e doação de contribuintes do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). As seleções de projetos a serem beneficiados pela legislação são publicadas pela Secretaria do Esporte e Juventude (Sejuv). Através dos editais, o proponente protocola o projeto cumprindo todas as exigências. As iniciativas aprovadas recebem um certificado que as capacitam para captar recursos.

As empresas patrocinadoras dos projetos emitem uma declaração para que a Sejuv contate a Secretaria da Fazenda (Sefaz), com o objetivo de garantir um certificado de crédito de ICMS para a empresa apoiadora, autorizando também a transferência do recurso para uma conta específica que o proponente deve abrir para o projeto.

“A partir do recebimento de cada parcela do recurso, o proponente deve prestar contas parcial em até 60 dias. Após o término de execução do projeto, o proponente terá 30 dias para a prestação de contas final. Se aprovada a prestação de contas final, o proponente pode solicitar a renovação do certificado de aprovação e ir novamente em busca da captação de recursos para a continuidade do projeto que pode ser renovado por três períodos anuais. Os projetos têm duração máxima de um ano”, explica o coordenador da Lei de Incentivo ao Esporte na Sejuv, Roger Mesquita.

Podem concorrer aos incentivos pessoas pessoas jurídicas, de direito público ou privado, de natureza ou finalidade esportiva, que comprovem capacidade técnica para realizar o projeto esportivo que está propondo. Até hoje, já foram publicados dois editais: o primeiro em novembro de 2017 e o segundo em julho de 2018. A previsão é que haja um novo no segundo semestre deste ano.

Estão aptas a patrocinar projetos as empresas contribuintes de ICMS no Ceará que não tenham nenhuma dedução legal que ultrapasse os 70% do imposto, ou que tenha muita substituição tributária e que se encontra em situação de regularidade fiscal com a Sefaz. As entidades privadas poderão destinar até 2% do imposto a pagar. Entre as Empresas Incentivadoras estão a Companhia Energética do Ceará (Enel), Norsa Refrigerantes S.A., AMBEV S.A., Três Corações Alimentos S.A. e Companhia Industrial de Cimento Apodi.

São benefícios para as empresas incentivadoras, para além da dedução fiscal de ICMS, a vinculação da marca nas peças de mídia, o impacto sobre a imagem institucional da empresa, a responsabilidade social, e o fortalecimento da política de relacionamento da empresa com outras esferas do governo e com a população atendida.

“Com a efetivação da Lei, entidades de cunho esportivo e social têm a possibilidade de executar projetos e eventos que estimulam a participação de todos em ações diversas, num trabalho conjunto entre governo e sociedade, com real aumento dos investimentos e benefícios diretos para a população. Além disso, em harmonia com as estratégias do governo estadual, essa importante política de estado objetiva um maior desenvolvimento para o Ceará, contribuindo com outras políticas públicas, uma vez que investir no esporte é, definitivamente, investir em saúde, educação e inclusão social”, finaliza Roger.

Veja o vídeo da escolinha de surf