Capacete Elmo: inovação cearense recupera pacientes de todo o Brasil
29 de março de 2021 - 15:22 #Capacete Elmo #coronavírus #Covid-19 #elmo respirador #esp ce #inovação #Pandemia #respirador Elmo #saúde #Sesa
Jackson de Moura - Ascom ESP/CE - Texto
Tatiana Fortes e Arquivo Pessoal - Fotos David Tomás - Arte Gráfica
Os mais remotos registros da presença humana na Terra destacam os conflitos. Nas guerras antigas e medievais, por exemplo, Elmo era uma proteção, espécie de capacete, que protegia a cabeça de soldados envolvidos nas batalhas. Em 2021, na luta contra a Covid-19, Elmo é o nome de um capacete de respiração assistida – fruto de pesquisa e inovação no Ceará – que tem recuperado pacientes da insuficiência respiratória, consequência de complicações da doença.
O servidor público Fábio Santiago, de 39 anos, é um dos inúmeros sobreviventes da batalha contemporânea contra um inimigo invisível, que impõe a todos o uso correto de máscara, a lavagem constante das mãos e o distanciamento social. Residente de Chorozinho, na Região Metropolitana de Fortaleza, Santiago teve a chance de utilizar o Elmo no Hospital Estadual Leonardo da Vinci.
“Eu estava na UTI quando surgiu a luz que foi utilizar o capacete Elmo. Foram cinco dias de tratamento, sempre evoluindo. O Elmo permitiu que eu voltasse pra minha família. Espero que ele possa devolver muitas outras pessoas às suas famílias e para continuarem suas histórias. O capacete salva vidas!”, diz emocionado ao lembrar que estava a ponto de ser intubado, com o comprometimento de 80% dos pulmões.
Para o dispositivo recuperar pacientes do Ceará, como Santiago, e de outros estados brasileiros – sim, o capacete cearense já é utilizado em lugares como Goiás, Amazonas e Maranhão –, pesquisadores cearenses de várias áreas estavam diante da pressão de buscar uma solução local, de rápido desenvolvimento e que pudesse salvar vidas. Na ocasião, início da pandemia, em 2020, cientistas do mundo inteiro descobriam, a cada dia, como o novo vírus agia. Já os governos e autoridades sanitárias corriam contra o tempo para sanar o dilema da falta de respiradores mecânicos, essenciais para manter a atividade pulmonar em casos de maior gravidade da doença.
A busca por uma solução cearense
Além de caros, os equipamentos eram escassos e a indústria da saúde era desafiada para atender à alta demanda gerada ao redor do mundo. No Ceará, o Governo adquiriu 700 ventiladores chineses para atender os cearenses de imediato, mas persistia a inquietude de um grupo ávido por inovação em saúde.
Em abril de 2020, uma reunião na Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) tinha como ponto de partida a produção própria de um respirador mecânico. A capacidade local não foi questionada, mas o tempo era um entrave. A produção de ventiladores mecânicos teria de sair do papel o mais rápido possível. “Foi aí que disse que era inviável. E sugeri um ‘helmet’ que era adotado em outros países”, relembra Marcelo Alcantara, superintendente da Escola de Saúde Pública do Ceará (ESP/CE), acerca do momento em que sugeriu o desenvolvimento do capacete Elmo.
O dispositivo foi inspirado na experiência de médicos italianos que usaram máscaras de mergulho no tratamento de pacientes com Covid-19 e no uso de ‘helmet’, capacetes hiperbáricos, utilizados em doenças de descompressão na Europa e nos Estados Unidos.
Assim foi consolidada a força-tarefa que reuniu Governo do Ceará, por meio da Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), ESP/CE e Funcap, com a Federação das Indústrias do Estado do Ceará (Fiec), por meio do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai/Ceará), a Universidade Federal do Ceará (UFC) e a Universidade de Fortaleza (Unifor), com o apoio do Instituto de Saúde e Gestão Hospitalar (ISGH) e Esmaltec. A união de especialistas da iniciativa público-privada transformou a idealização de um equipamento em um produto de menor custo que os respiradores e que pudesse ser produzido em larga escala no estado cearense.
Desenvolvimento e consolidação do equipamento
Quando os pesquisadores começaram a desenvolver o Elmo, boa parte das reuniões eram virtuais por causa das circunstâncias da pandemia. Até uma impressora 3D foi utilizada para produzir peças dos primeiros experimentos. O foco era que o Estado tivesse todos os componentes e matéria-prima necessários para a produção.
“Se o Elmo fosse feito sem análise de impacto industrial, considerando custo e capacidade de produção, teria levado mais tempo para ficar pronto. No entanto, tudo isso foi pensado de forma a ser desenvolvido o mais rápido possível, sem perda de qualidade”, destaca o professor Herbert da Rocha, um dos coordenadores do Laboratório de Pesquisa e Inovação em Cidades (Lapin) da Unifor.
Foram desenvolvidos dez protótipos, considerando diferentes dimensões e volumes, a partir de três conceitos alternativos do capacete: um de base flexível, um de base rígida com conectores na base e outro com conectores no capuz, o que foi consolidado. Após 11 dias, começaram os testes do dispositivo em voluntários, muitas vezes integrantes da própria equipe.
O engenheiro clínico David Guabiraba, consultor da Unidade de Educação da Fiec, foi um dos que participaram desta etapa. “O Elmo teve uma trajetória linear de muitos acertos. Nosso desafio foi dentro de uma janela de tempo muito pequena, realizando testes em quantidade suficiente para que a gente pudesse catalisar o mais rápido possível um protótipo que pudesse ser utilizado”, diz. “Muitas vezes, eu ia pro Senai e preparava o laboratório, era o voluntário dos testes, ou ia aos domingos para viabilizar alguns detalhes. O Elmo foi resultado de estresses investigativos que levaram hoje a um equipamento plenamente seguro, com resultados previsíveis, graças ao esforço multidisciplinar das pessoas envolvidas”, rememora.
Capacete Elmo
Feito com silicone e PVC, o dispositivo foi desenvolvido para oferecer oxigênio em alto fluxo para o paciente internado. O equipamento envolve toda a cabeça do paciente e é fixado no pescoço em uma base que veda a passagem de ar. Com a aplicação de oxigênio e ar comprimido, o Elmo gera uma pressão positiva (em relação à pressão atmosférica) que ajuda pacientes com dificuldade de oxigenação.
Dessa forma, é indicado para o tratamento de pacientes com quadro clínico leve e moderado, mas também auxilia casos que começam a evoluir para gravidade, de modo a evitar também a intubação do paciente.
O capacete também proporciona que o gás carbônico não seja expelido no ambiente, o que é mais uma vantagem. Não havendo contaminação, o aparelho garante a maior segurança dos profissionais de saúde. Com sua produção firmada, dois anos foram reduzidos a três meses, período no qual o equipamento passou por concepção, desenvolvimento e consolidação do protótipo a partir dos testes de usabilidade para averiguar sua adequação e conforto em voluntários sadios. O próximo passo era testar sua eficácia em pacientes infectados pelo coronavírus.
Testes clínicos
“Lembro quando foi postado o vídeo no grupo (de WhatsApp, com pesquisadores do projeto) da primeira paciente que usou o Elmo na fase de testes clínicos. Quando o projeto avançou, foi uma sensação indescritível”, lembra Herbert sobre um vídeo que circulou, à época, de Maria Irismar Morais, de 70 anos, sentada num leito de enfermaria no Hospital Estadual Leonardo da Vinci (Helv) com o capacete fixado.
“Eu não sei como, mas o vírus chegou até mim. Passei cinco dias estabilizada, nem ficava boa, nem melhorava. Quando, de repente, chegou a equipe do capacete Elmo. Eu o chamo de capacete da minha salvação. Com dois dias, eu já estava recuperada”, destaca a aposentada, que foi a primeira paciente a receber alta hospitalar após o uso do aparelho. Ela recebeu o tratamento na fase de testes clínicos, apenas três meses após o início de sua produção.
Aprovada pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), do Conselho Nacional de Saúde (CNS), a pesquisa clínica contou com dez pacientes do Helv de 37 a 76 anos. O estudo, que levou cinco meses para ser finalizado, validou as funcionalidades e usabilidade do capacete, bem como sua eficácia no tratamento de insuficiência respiratória causada pelo coronavírus.
O resultado foi a redução em 60% da necessidade de internações em leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Apenas quatro de dez pessoas que usaram o capacete no Helv precisaram ser transferidas para UTIs.
“Os pacientes melhoraram a oxigenação e tiveram evolução clínica. Esperávamos que metade deles se beneficiassem, mas foi acima do esperado. E não eram casos leves, todos utilizavam doses altas de oxigênio. Estavam numa situação limítrofe, com risco de internação em leitos de UTI, e melhoraram relativamente rápido”, conta Marcelo Alcantara.
Produção em larga escala
No fim de outubro de 2020, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a produção em escala industrial do equipamento à Esmaltec, empresa do Grupo Edson Queiroz. Os testes clínicos eram necessários para o aval, assim como adequações do local de fabricação.
“Foi um grande desafio nos adaptarmos para manufatura de um produto de uso hospitalar. Tivemos de aprender muitas coisas, adequamos instalações com a criação de uma ‘sala limpa’, investimos em moldes únicos e exclusivos para peças plásticas, treinamos e capacitamos pessoas num curto intervalo de tempo, mas sabíamos que precisávamos participar do projeto e contribuir com a sociedade. Após a aprovação da Anvisa, iniciamos a produção em escala industrial e estamos continuamente aumentando nossa capacidade produtiva. Já triplicamos os números diários de fabricação, com o apoio dos nossos fornecedores”, ressalta Marcelo Pinto, diretor superintendente da empresa.
Atualmente, o capacete Elmo é utilizado em diversas unidades de saúde, tanto públicas quanto privadas. Por ser um equipamento novo, a Escola de Saúde Pública do Ceará capacita os profissionais de saúde para o manejo do dispositivo. E assim o Elmo segue salvando vidas. Uma prova de que ciência e inovação fazem diferença em qualquer momento da sociedade, principalmente num contexto de pandemia. “O Brasil sofre com a Covid-19, mas sofre muito mais por não investir pesadamente em educação, ciência e tecnologia. É isso que nós precisamos. Um país rico é um país que tem cientistas, que faz inovação”, sublinha o superintendente da ESP/CE.