Porto Iracema das Artes completa oito anos transformando vidas por meio da formação e da criação

8 de setembro de 2021 - 14:43 # # # # # # # # # # #

Raphaelle Batista - Ascom Porto Iracema das Artes - Texto
Tiago Stille/Ascom Casa Civil e Ascom Porto Iracema das Artes - Fotos Elígia Cavalcante - Vídeo

Projeto pedagógico da escola pública de artes do Governo do Ceará tem foco na autonomia, na experiência e na trajetória dos estudantes a partir de processos criativos. Na pandemia, o desafio do ensino no ambiente virtual se transformou em maior alcance das ações

Partilha. Experiência. Trajetória. Autonomia. Processo. O que acontece quando essas palavras se encontram no projeto de uma escola pública de artes? Que conceitos de ensino e aprendizagem são revelados nas práticas pedagógicas em salas de aula físicas e virtuais, nas criações artísticas que chegam ao público e nas histórias de milhares de alunas, alunos e alunes? A resposta emerge das vivências de quem já passou pela Escola Porto Iracema das Artes, instituição da Secretaria da Cultura (Secult), do Governo do Ceará, gerida pelo Instituto Dragão do Mar (IDM). Ao completar oito anos de existência, no último dia 29 de agosto, o espaço que ocupa o antigo prédio da Capitania dos Portos, no bairro Praia de Iracema, em Fortaleza, é referência em política pública de formação em artes.

Com um projeto pedagógico norteado por conceitos como autonomia intelectual e criativa, experiências e partilhas simbólicas, a Escola tem uma estrutura formativa que não segue a lógica do ensino regular. “Partimos do princípio de que a formação em artes não consiste na simples atualização de conceitos e técnicas já disponíveis, mas no enfrentamento de questões construídas na singularidade de cada processo criativo, questões conceituais, estéticas, poéticas, técnicas, sociopolíticas que emergem da problematização levantada pela própria criação”, afirma Bete Jaguaribe, diretora de formação e criação do IDM e da escola.

A centralidade do processo criativo em todas as esferas formativas é um dos pontos-chave da Porto Iracema. Seja no Programa de Formação Básica, de iniciação de jovens a partir dos 16 anos, prioritariamente advindos da rede pública de ensino, em artes cênicas, audiovisual e artes visuais; seja no Programa Técnico, com o Curso Técnico de Dança (CTD), que forma intérpretes criadores ao longo de dois anos para atuarem tanto como professores quanto como bailarinos e coreógrafos; ou no Programa dos Laboratórios de Criação, que garante sete meses de imersão no desenvolvimento de projetos artísticos de artes visuais, cinema, dança, música e teatro, com tutores escolhidos pelos próprios artistas, além de oficinas, aulas e uma bolsa mensal de R$ 1 mil.

“O formato da Porto Iracema, diante de tudo que eu conheço, é interessantíssimo e, inclusive, é referência. Muita gente de outras partes do Brasil se refere à Escola como um modelo que atravessa questões de criação, de gestão, de produção, que valoriza o processual”, diz a artista Monique Cardoso, 35, artista da cena, pesquisadora, produtora, gestora cultural e integrante do Grupo Ninho de Teatro, do Crato. O coletivo passou pelo Laboratório de Teatro, em 2014, com uma pesquisa sobre as memórias corporais, vocais e sociais de mestres da cultura popular do Cariri. O projeto resultou, em 2016, no espetáculo “Poeira”, selecionado pelo Rumos Itaú Cultural, um dos principais editais de circulação do País. Para ela, o diferencial foi fugir daquela ideia da obrigatoriedade de um resultado ou de um produto, entendendo que isso vem como consequência de um processo de pesquisa”, explica.

O roteirista, diretor e pesquisador Pedro Cândido, 33, que já participou de duas edições do Laboratório de Cinema, concorda com a fala da colega de Teatro. Ele diz que a passagem pelo Laboratório lhe “possibilitou experimentar um processo de formação não só na área de roteiro, mas uma imersão em um processo de criação muito singular e especial” e que reverberou, inclusive, em sua dissertação de mestrado e na atuação posterior como professor universitário. “Não são muitas as instituições brasileiras que investem em formação na área de cultura e do cinema com essa complexidade e de forma gratuita para a população”, ele lembra.

Junto com Isadora Rodrigues, o artista escreveu, em 2015, o roteiro do longa “Fortaleza Hotel”, que acaba de ser finalizado, com direção do cineasta cearense Armando Praça. Já em 2017, ele desenvolveu o roteiro “Amores Paraguayos”, com Taís Monteiro. O filme, contemplado pelo Edital de Apoio do Audiovisual Cearense – Lei Aldir Blanc 2020, da Secult, durante a pandemia, está em fase de pré-produção e deve começar a ser filmado ainda este mês. “Os dois projetos foram desenvolvidos no Laboratório de Cinema do Porto Iracema e ambos contemplados com editais de produção, um nacional e outro estadual. Graças ao apoio dessas instituições e do dinheiro público investido na produção de cinema, os projetos empregaram muitos profissionais cearenses”, ressalta Pedro.

Com um alcance de mais de 50 mil pessoas de todo o Ceará, e até de outros estados brasileiros, o Governo do Ceará, por meio da Secult, já investiu R$ 67,5 milhões, entre 2013 e 2021, na manutenção das ações da instituição. Para o secretário da cultura, Fabiano Piúba, essa articulação em rede das escolas criativas do Ceará demonstra, na prática, o entendimento amplo do direito às artes e à cultura como um direito de cidadania. “A agenda de formação é uma agenda central para a ampliação das competências e capacidades, mas também para a ampliação de repertórios, de visões de mundo, porque a arte é um elemento central na formação humana”, sublinha o secretário.

Percursos formativos que transformam

O arte-educador, artista visual e diretor de fotografia, Jorge Silvestre, 23, descobriu a Escola em 2015, e se apaixonou. Naquele ano, quando resolveu fazer o Percurso de Fotografia Digital, ele planejava tentar o vestibular para Direito, mas após a experiência com a arte, optou pelo Curso de Cinema, para o qual foi aprovado na Universidade Federal do Ceará (UFC). Assim como muitos outros estudantes, após a primeira experiência no Porto Iracema, o caminho natural para ele foi a busca por aprofundar o conhecimento em cursos de férias e em outras esferas formativas. “Carimbo, história da arte cearense, o som no audiovisual, documentário, acho que nem consigo contar nas duas mãos (a quantidade de cursos)”.

Tendo a Escola como espaço fundamental para sua inserção no campo artístico, Jorge ressalta a estrutura da instituição. “O espaço físico do Porto é muito importante, são salas confortáveis, computadores potentes, câmeras, lentes, materiais que não são de fácil acesso, mas que ali estão disponíveis para os alunos. Lembro que quando entrei usava muito a biblioteca para estudar, inclusive para o vestibular”, destaca Jorge. Além do Programa Básico, o artista passou também pelo Laboratório de Artes Visuais, em 2020, quando desenvolveu o projeto “Arqueologia de Luzes Negras”, com o artista David Felício. “Quero continuar minha pesquisa, agora com muito mais autoestima para escrita de projetos, e conseguir passar em editais. Como trabalho também com cinema, quero ainda ter outras experiências de formação e, com certeza, conto com o Porto Iracema para aprender mais”, projeta.

A cantora, compositora e atriz Luiza Nobel, 25, é outra artista que fez percursos formativos desde os Básicos até os Laboratórios de Criação. Em 2016, ela fez Sonoplastia e, dois anos depois, Teatro. Em 2019, entrou para o Laboratório de Música. A artista de Fortaleza enfatiza a importância do contato com diferentes professores e a intensidade das práticas. “No Teatro, por exemplo, a gente teve vários exercícios, culminando com o Preamar, que é de fato a montagem de um espetáculo. A gente é envolvido tanto com a parte da atuação como com o figurino, a maquiagem, o roteiro”, enumera. Segundo ela, sem um espaço público de formação em artes como o Porto Iracema, certamente sua trajetória como artista não seria a mesma. “A importância da escola é extrema. Em lugares como esse, você encontra pessoas de todos os lugares da Cidade que se encontram naquele espaço para estudar arte gratuitamente. Eu não teria nem um pingo de condição financeira, não teria como pagar um curso tão completo”, aponta Luiza.

Esse momento de formação aprofundada pela prática mais intensa em todas as etapas da realização de um espetáculo a que Luiza se refere ocorre em todas as áreas do Programa de Formação Básica, após a conclusão dos cursos de iniciação, com a produção de curtas-metragens e de exposições pelos alunos, que contam com todo o suporte da Escola. É o Preamar, termo náutico usado para fazer referência à turbulência potente e criativa, assim como as marés cheias do mar aberto, em que a ideia é elevar ao nível máximo as possibilidades de formação. “Mesmo nos módulos de iniciação, buscamos atrelar os conteúdos basilares da formação em cada área com pequenos exercícios de criação. Nessa perspectiva, não existe dicotomia entre teoria e prática”, observa o coordenador pedagógico da Escola, Edilberto Mendes.

Foi justamente no Preamar de Artes Visuais de 2018 que a artista e administradora Beatriz Gurgel, 22, fez um de seus primeiros e mais importantes trabalhos: a instalação em lambe-lambe “Aprendi a viver só de arte, porque arte era tudo que eu tinha”, que compôs a exposição coletiva “Arrimo” e ocupou as paredes da escola. “Depois consegui levar (o trabalho) para vários lugares: Salvador, Vitória… Foram várias exposições”, complementa. A jovem, que se considera “filha” do Porto Iracema das Artes, descobriu que podia ser artista quando chegou à Escola. “Quando fiz o primeiro curso foi uma virada de chave na minha cabeça, porque entendi que existiam artistas vivos e que eu podia ser artista também”, conta.

Pandemia: desafio e expansão

Com a pandemia de Covid-19, a Escola precisou se reinventar diante dos desafios do ensino de artes no ambiente virtual. Afinal, como transpor a experiência da criação artística em linguagens que exigem o trabalho do corpo, da voz, do movimento, da presença, para as telas? O caminho foi o da reflexão aprofundada sobre os limites e as possibilidades do on-line, no seminário “Poéticas de Coexistência: questões para formação em artes e virtualidades”, que reuniu grandes artistas e pesquisadores durante o segundo semestre de 2020, e o de potencializar a programação nas redes sociais da Escola, disponibilizando não apenas o acervo da instituição, mas promovendo espaços constantes de partilhas entre artistas e público nas plataformas digitais. “As experiências de formação vividas no ambiente remoto e no contexto de isolamento social fizeram com que a Escola produzisse alternativas à dinâmica de urgência e tensão estabelecida pela ‘nova normalidade’”, pontua a coordenadora dos Laboratórios de Criação, Cláudia Pires.

Com a realidade do ensino híbrido instalada, uma das possibilidades que se abriram foi a chance de levar para ainda mais longe as ações da Escola. Não é de hoje que o Porto Iracema alcança artistas do interior cearense por meio dos Laboratórios de Criação, especialmente, e realiza oficinas e cursos livres, em parceria com outras instituições da Secult ou mesmo municipais, em cidades como Paracuru, Quixadá, Itapipoca e Quixeré. Por meio da internet tem sido possível ofertar as formações completas de iniciação às artes para alunas e alunos de muito mais municípios. Nas inscrições realizadas em julho deste ano, jovens de 153 municípios buscaram uma das 150 vagas oferecidas para percursos de Audiovisual, Desenho e Pintura, Fotografia Digital e Teatro, por exemplo.

A estudante Maria Letícia Oliveira, 16, foi uma das aprovadas para o Percurso de Audiovisual. A jovem de Juazeiro do Norte conta que nunca havia frequentado uma escola de artes. “Todos os professores têm um interesse muito grande na nossa aprendizagem, eles querem ter a certeza de que a gente realmente tá aprendendo, a linguagem que eles usam é acessível. É muito interessante lidar com gente que já tem experiência nesse ramo, que já fez, já dirigiu filmes”.

Na capital ou fora dela, de forma presencial ou virtual, o que o Porto Iracema tem representado para os jovens artistas pode ser resumido na fala de Maria Letícia: “A gente cresce achando que certas coisas são impossíveis, mas com a caminhada a gente vai descobrindo que não, que é possível, sim, e que tem vários caminhos e que nós somos capazes de conseguir algo mais do que o estipulado pra gente. Geralmente, quem é do interior tem esse receio de ir além, de buscar outras coisas diferentes. É de suma importância essa iniciativa da Escola porque muitos jovens, às vezes, do Interior, às vezes, até de Fortaleza, não sabem o que buscar, outros não têm condição financeira (para) custear um curso particular”.

 

Serviço

Escola Porto Iracema das Artes
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