Eduardo Ângelo: o artesão-jardineiro do Palácio da Abolição que transformou a avenida Barão de Studart em galeria
18 de janeiro de 2022 - 16:42 #arte #Artesão #história #jardineiro #Palácio da Abolição #Palácio Iracema #Profissão #reconhecimento
Larissa Falcão - Ascom Casa Civil - Texto
Tatiana Fortes - Fotos
span>Daniel Santos - Vídeo
Quem passa pela avenida Barão de Studart, em Fortaleza, já deve ter notado as peças de artesanato expostas ao longo do canteiro central na altura do Palácio da Abolição, sede do Governo do Ceará. Feitas a partir do talo da carnaúba, árvore símbolo do Nordeste brasileiro, as obras são do jardineiro e artesão Eduardo Ângelo, de 56 anos, que há 25 anos trabalha cuidando do jardim do Palácio.
“A minha fonte de inspiração é a carnaúba. Eu não chego na árvore e corto [o talo]. Tenho que esperar que ele caia para eu ver o que posso fazer. Todo dia caem talos da carnaúba. Também sempre que eu passo na rua e vejo algo no chão que possa ser reciclado, mesmo que naquele momento eu não esteja precisando, guardo em casa, porque um dia vai precisar”, é o que diz o artesão sobre seu processo criativo.
Assim como seu trabalho, Eduardo não passa despercebido. Ele é todo arte em cada detalhe. Sua caracterização, que remonta a figura de cangaceiro, faz parte da linguagem que Eduardo desenvolveu para se comunicar não só com os colegas que compartilham a rotina de trabalho, mas também não perder as próprias memórias.
“O Lampião surgiu aqui [no Palácio] me inspirando em Luiz Gonzaga e, também, em Lampião, porque meu pai contava as história de Lampião. Primeiro, eu coloquei o chapéu, aí me chamavam de Gonzagão. Pensei que tinha que dar um destaque. Aí comecei a botar os apetrechos, foi quando começaram a me chamar de Lampião”, explica.
De Pentecoste ao Palácio Iracema
O trabalho e a imagem desse homem sorridente e gentil também contam a história do menino sonhador que nasceu em Pentecoste, no Vale do Curu, e passou a infância e adolescência aprendendo sobre o tempo da natureza enquanto ajudava a família a plantar e a colher. Aos 20 anos de idade, querendo novas oportunidades, Eduardo se mudou sozinho para a Capital cearense, onde conseguiu o primeiro emprego como vigilante terceirizado. Entrar para o mundo da jardinagem não foi coisa pensada, mas aprendeu fazendo, como ele gosta de dizer.
“Quando eu trabalhava [como vigilante] numa casa de classe média alta, o jardineiro de lá saiu, e eles [proprietários] notaram meu desempenho e me perguntaram se eu queria trabalhar como jardineiro. Eu disse que não tinha experiência porque era da roça, mas eles falaram que quem trabalha no campo plantando milho e feijão sabe fazer [jardinagem]. Eles me deram essa oportunidade”, conta.
Ao longo dos anos, Eduardo aperfeiçoou o ofício e saiu em busca de novas chances. Foi quando surgiu a vaga para jardineiro na sede administrativa do Banco do Estado do Ceará (BEC) e, após o banco ser extinto, foi transferido para o Palácio Iracema, localizado no Centro Administrativo Bárbara de Alencar, no bairro Edson Queiroz. O local sediava o gabinete do governador até meados de 2010 — antes da transferência da sede do Executivo estadual para o Palácio da Abolição.
No Palácio Iracema, o jardineiro descobriu outro talento: o artesanato. Tudo começou com um bom sinal em um março chuvoso. “Contemplando a chuva, eu vi cair um galho de uma árvore em forma de ípsilon. Aí imaginei: ‘Quando essa chuva passar eu vou cortar esse galho e fazer desses dois ganchos duas pernas’. Eu comecei a trabalhar [no galho]. Perguntavam se eu estava ficando doido. Eu respondia dizendo que estava cortando para jogar fora, para não dizer o segredo que Deus tinha me dado. Eu fiz tipo uma cabeça, peguei mais dois galhos e ficaram como os braços. Ficou um homem. Aí, eu fiz um arco e flecha. Meu primeiro personagem foi um índio”, rememora.
O índio, que media cerca de 1,20 cm de altura, impressionou a todos. Depois do índio, veio pescador, agricultor, músico, repórter e tantos outros personagens que, segundo o artesão, saíram todos da mente. Mas essa imaginação não floresceu repentinamente. A raiz sempre foi criativa. “A minha mãe, Raimunda Barreto da Silva, era artesã. Fazia panela e pote de barro para vender e garantir a nossa sobrevivência. E eu, menino curioso, sempre a vi fazendo. Com o mesmo barro que ela utilizava, eu fazia bonecos”.
Palácio da Abolição: inspiração diária
Para Eduardo, é uma alegria poder se dedicar há 25 anos ao Jardim do Palácio, idealizado pelo paisagista Fernando Chacel, e passar o dia cuidando de diversas espécies, como a carnaúba, cajueiro, cedro, palmeira, dracena, imbé amarelo, entre outras.
“Todo dia, chego aqui às 6 horas da manhã e me caracterizo de Lampião. Eu chego para regar, podar e plantar quando é preciso. Vejo quais plantas estão precisando de mais cuidados e oriento os meus colegas. Tudo isso serve para o meu aprendizado: cuidar da natureza; ouvir o cantar dos passarinhos; ver a chuva caindo. Como costumo dizer: eu saí do sertão, mas o sertão não saiu de mim. Eu me sinto feliz em trabalhar na sede do governo, é um ponto de referência. Sou tratado como humano. O governador [Camilo Santana] e todas as outras autoridades me cumprimentam”.
Ainda sobre o reconhecimento, Eduardo não esconde o orgulho de desenvolver seu trabalho no mesmo local onde estão expostas obras de renomados artistas cearenses, como Raimundo Cela, Antônio Bandeira, Sérvulo Esmeraldo, Leonilson, Aldemir Martins, Estrigas, Mano Alencar, Heloisa Juaçaba, entre outros. “É muito gratificante porque as pessoas passam na rua e veem meu trabalho e, também, estar no meio onde tem muitas obras de arte, como a própria porta de madeira [da Galeria] e as esculturas. Eu nem conheço muitos desses artistas, alguns nem existem mais, mas, graças a Deus, eu estou aqui com a minha arte viva, e as pessoas veem e divulgam”, destaca Eduardo, que também produz peças para outros locais.
Quando a pandemia da Covid-19 chegou, no início de 2020, o jardineiro precisou se afastar durante uns dias, para cumprir com segurança a escala estabelecida para o trabalho. “A vida em casa é um tédio. Aqui, a gente se distrai com a natureza e nosso trabalho. Eu queria trabalhar todo dia e não queria que a doença existisse. Mas estamos vencendo, em nome de Jesus, porque o maior é Ele. Que as pessoas tomem consciência também, se vacinem, porque primeiro é Deus, mas a vacina está resolvendo a causa”, pondera.
Agora, já com a terceira dose, o jardineiro semeia otimismo para os próximos 25 anos. “Para o meu futuro, eu quero, primeiramente, paz, alegria, saúde e prosperidade”, deseja.