Gioconda Aguiar: A maternidade transformada em orgulho e militância

25 de junho de 2021 - 09:37 # # # # # # # #

Sheyla Castelo Branco - Ascom SPS - Texto
Helene Santos - Ascom Casa Civil - Fotos

Gioconda Aguiar é a mãe da Allexandra e é também a coordenadora estadual da Associação Mães pela Diversidade. Gioconda transformou seu afeto em mensagem política e encontrou a coragem que precisava para enfrentar os próprios medos e preconceitos na luta coletiva ao lado de outras mães. A coordenadora do coletivo conta que quando entendeu que sua luta pessoal era também uma luta coletiva, se abriram novas perspectivas e ela passou a se fortalecer junto às outras mães do movimento.

“Nossos filhes são corajosos, mas precisam de muito mais que isso para terem uma vida digna, sendo exatamente quem são”, explica Gioconda, que é mãe de uma mulher trans, Allexandra (21).

Na sua casa estão estampadas as cores da bandeira do movimento LGBT+ e espalhadas mensagens de empatia e respeito para lembrar cotidianamente que todes es filhes são amados e que amor é uma solução, não um problema. Na segunda matéria da série Orgulho Delas, Gioconda conta sobre seu processo pessoal até a descoberta das Mães pela Diversidade e a militância LGBT+.

Como foi o seu processo de descoberta e aceitação da transexualidade da sua filha, e o que mudou dentro da sua casa depois disso?
A descoberta aconteceu quando uma sobrinha encontrou um perfil feminino dela (Allexandra) nas redes sociais. Eu e meu esposo não tínhamos acesso e achamos melhor não falar nada. Até então, desconfiávamos apenas que o Gabriel, como o chamávamos naquela época, pudesse ser gay. Quando ela entrou na faculdade tomou a decisão de nos contar que tinha se apresentado como Allexandra, uma mulher trans. Ficamos meio perdidos pois não sabíamos nada a respeito, mas demos o apoio que ela precisava. No início, eu caí no choro sem saber o que fazer, mas logo reagimos e passamos a nos informar a respeito. Decidimos procurar o Centro de Referência LGBT Janaína Dutra e lá nos orientaram a procurar o Mães Pela Diversidade, que na época, ainda estava iniciando aqui em Fortaleza, isso em meados de 2018.

Como você passou a ser vista dentro da família e como sua relação com eles e com seu outro filho mudou a partir disso?
A família aceitou bem, o que facilitou o acolhimento de todos. Tínhamos uma preocupação com o Gustavo, nosso filho mais novo. Não sabíamos qual seria a reação dele, foi aí que ele nos surpreendeu com a seguinte frase: O que é que tem, mãe? Deixa ela ser feliz! Aí completou todo o amor e o acolhimento que poderíamos dar à nossa filha.

Como os pais podem permitir que seus filhos vivam suas escolhas com mais liberdade?
Só para não deixar passar em branco, não se trata de escolhas. Você nasce assim, o que os pais podem e devem fazer é acolher, continuar a dar o amor que sempre deram, pois nada mudou, continuam sendo os filhos, filhas e filhes que demos a luz, amamentamos, acalentamos, brincamos, levamos à escola, à praia, nos divertimos, levamos ao médico, ao hospital, vacinamos, etc. Nada disso foi em vão, são a nossa continuidade enquanto família.

Como você se conectou com a Associação Mães pela Diversidade e como foi o processo até se tornar coordenadora do movimento no Ceará?
Ao ir ao Centro de Referência Janaína Dutra soube do Mães e de cara quis participar daquele movimento. Quando procurei a Associação, elas estavam ainda no segundo encontro aqui em Fortaleza. Éramos em 5 mães e de lá pra cá esse movimento só vem crescendo. Sempre tentei agregar ao grupo, participando ativamente dos encontros e das ações, e foi assim, que, em abril do ano passado, acabei assumindo como coordenadora da Associação aqui no Ceará, o que me deixou muito feliz! É gratificante estar à frente deste movimento que hoje é minha vida, faz parte de tudo que eu faço, eu respiro essa luta no meu dia a dia, aliás não só eu, mas toda minha família.

Como vocês se articulam no Ceará e qual o tipo de acolhimento que oferecem às mães que procuram a associação?
Nas nossas articulações sempre tentamos estar presentes a tudo que ligue a luta por direitos da população LGBTQIA+. Fazemos questão de acompanhar as pautas que tramitam na Câmara Municipal de Fortaleza e que estão ligadas diretamente aos direitos da população LGBTQIA+. Sempre nos organizamos em atos de protesto quando acontece algum caso de homofobia ou transfobia no Estado do Ceará. Não importa se é na Capital ou no interior, nos organizamos e vamos até o local para fortalecer a luta pelo combate à LGBTfobia e dizer que queremos nossos filhes vivos! Desde o ano passado, quando começou a pandemia, precisamos nos adaptar a um novo formato de militância, com reuniões virtuais, participando de lives, e assim seguimos ativas no nosso movimento. Estamos dentro de casa neste momento porque é necessário, mas nossa militância segue em alerta 24 horas pela vida de nossos filhes.

Como o movimento das mães daqui do Ceará é visto no cenário nacional?
Nossas ações vêm ganhando visibilidade cada vez mais, e acredito que isto é resultado direto do empenho e compromisso de cada uma das mães que participa do nosso movimento. É um trabalho voluntário, que só acontece porque tem muito amor envolvido e esse é o nosso combustível. Uma das ações que realizamos e que teve repercussão nacional foi o nosso protesto pela vida da adolescente trans, Keron Ravash, assassinada brutalmente em janeiro deste ano. Nós nos articulamos junto à SPS, e fomos até Camocim para protestar pela vida da Keron e de tantas outras meninas e meninos trans que tiveram suas existências interrompidas pela LGBTfobia. Fomos em um grupo de sete mães com cartazes de protesto e mensagens de apoio às pessoas trans. Lá, nós caminhamos da praça principal da cidade até a Prefeitura e pudemos perceber o quanto a nossa presença foi importante para que a população LGBTQIA+ de Camocim se sentisse fortalecida naquele momento de dor e medo.

Em que momento a luta pessoal se tornou uma luta coletiva?
Quando você se torna uma Mãe Pela Diversidade, não tem como você não acolher filhes de outras famílias LGBTQIA+. Nós, mães, não conseguimos ver uma injustiça, um desrespeito com um filhe e não acolhermos e procurar os direitos deles.

Qual a diferença entre a LGBTfobia praticada em casa e a LGBTfobia praticada nas ruas?
A LGBTfobia praticada nas ruas exige uma atenção constante, pois pode gerar agressões tanto verbais como físicas, falta de respeito e todo tipo de violência que em nada se justifica, pois ninguém tem o direito de julgar ninguém. A LGBTfobia praticada em casa é a pior possível, pois em casa é o nosso porto seguro. Qualquer problema que você tenha, você busca o acolhimento dos pais, dos irmãos, etc. Então quando esse acolhimento não existe, você pode imaginar o quão é desesperador o sentimento de desamparo. E é exatamente esse não acolhimento que leva a situações de tristeza, de depressão, tentativa de suicídio e em muitos casos ao próprio suicídio.

Você acredita que o afeto também pode ser uma mensagem política?
Temos uma frase: Tire o seu preconceito do caminho que vamos passar com o nosso amor. Temos muito ainda o que lutar, mas já conseguimos vários ganhos em relação aos direitos da comunidade LGBTQIA+. Só com o nosso amor, a nossa resistência conseguiremos desconstruir esse ódio.

Como conscientizar as pessoas para evitarmos preconceitos, ódio e intolerância com a sexualidade alheia e também para promover o respeito à orientação sexual e a identidade de gênero?
Primeiro é necessário ler, pesquisar, entender o que é identidade de gênero. Com essas informações fica mais fácil saber o porquê de um ser humano não se sentir adequado no seu sexo biológico. Compreender que não se trata de uma escolha, se nasce assim e a necessidade de ser quem é é a condição para que esta pessoa seja feliz. As pessoas só precisam amar ao próximo e colocar esse amor em prática, independentemente se o meu próximo vai ser uma pessoa gay, lésbica, trans, heterossexual, travesti, queer, não binário, etc. Resumindo, todos são seres humanos dignos de amor, respeito, e acolhimento.