“Este movimento não é só sobre aceitar nossos filhes. É sobre construirmos uma sociedade que respeite a diversidade”

29 de junho de 2021 - 10:19 # # # # # # #

Sheyla Castelo Branco - Ascom SPS - Texto
atiana Fortes - Ascom Casa Civil e Arquivo Pessoal - Fotos

As trajetórias de Rejane Braga, Goreth Vasconcelos e Dione Mota são diferentes, mas se conectam em um ponto, no orgulho que elas carregam no peito por seus filhes LGBT+. As três explicam que encontraram no afeto, uma ferramenta de luta contra a LGBTfobia.

Rejane Braga é puro movimento. Da cozinha para o quarto, do quarto para sala, em poucos minutos ela mobiliza toda a família para uma sessão de fotos. A professora de Português, que divide confidências e gargalhadas com os três filhos, Maxwell (17), Maira (13) e Mateus (9), também sabe se impor quando é necessário e rebate os preconceitos das tias de Maxwell, que não aceitam que ele se relacione com pessoas do mesmo sexo.

 

“Minhas irmãs sempre que encontram ele sozinho fazem comentários preconceituosos sobre as fotos que ele posta nas redes sociais e sei que isso o magoa muito porque ele ainda está aprendendo a se defender. Quando eu estou por perto elas não têm coragem de fazer nenhum comentário desses, porque eu corto na hora e argumento para que elas percebam o quanto estão sendo cruéis. Aproveito também para explicar que LGBTfobia é crime! Eu sei que não se muda a mentalidade das pessoas do dia para a noite, mas precisamos aprender a nos posicionar em todos os espaços, seja na rua com estranhos, ou em casa, com nossos familiares”, pontua Rejane.

“Quando Maxwell decidiu contar sobre sua sua orientação sexual para mim e para o pai dele, no primeiro momento eu me assustei e não quis aceitar. Senti que ele estava destruindo o conceito que eu tinha pré-estabelecido na minha cabeça do que seria uma família perfeita. Até então eu não havia precisado confrontar meus próprios preconceitos, nem sabia que tinha preconceitos, até ouvir que meu filho era gay”, revela, Rejane, que milita há pouco mais de um ano na Associação das Mães pela Diversidade. Ela conta que precisou de mais um menos um ano para aceitar e entender que o fato do seu filho ser gay não mudaria em nada quem ele era e a relação de cumplicidade dos dois. “Aqui em casa, nós criamos os três assim, papo reto e transparência em tudo. Nunca fui uma mulher de meias palavras, sou muito prática e meus filhos aprenderam a ser assim também. Acho que foi por isso que mesmo com receios ele preferiu nos contar logo”, lembra.

“Depois que consegui enfrentar meus preconceitos, decidi procurar ajuda e descobri a Associação das Mães pela Diversidade. De repente me vi sozinha diante de uma sociedade que é ainda muito preconceituosa e doente. Eu passei da desconstrução dos meus preconceitos para o medo de que meu filho pudesse ser agredido na rua ou na escola, e isso me impulsionou a procurar esse apoio em outras mães”, conta Rejane, que com o grupo descobriu uma força interior que até então desconhecia.

Rejane aprendeu a dividir suas dores e medos com outras mulheres, que lutam não só pelos seus filhes, mas por toda comunidade LGBT+

Agora, ela se dá conta de que há pouco mais de um ano aprendeu a dividir suas dores e medos com outras mulheres, que lutam não só pelos seus filhes, mas por toda comunidade LGBT+.“Posso dizer que renasci junto com meu filho, e renasci muito mais feliz. Não posso dizer que estou livre de todos os preconceitos porque essa desconstrução é diária e sempre será um desafio para todos nós, mas a Rejane de hoje me orgulha muito mais, assim como meu filho me orgulha por ser um ser humano gentil, que gosta de cuidar dos outros e que acima de tudo é livre para ser quem ele é de verdade. Milito nesta causa, porque como tantas outras mães, continuo sentindo medo. A rua é perigosa para o Maxwell e para tantos outros meninos e meninas LGBT, que na maioria dos casos não encontram apoio nem dentro de casa. Saber disso me deixa sempre em alerta. O que eu quero é que meu filho saiba que sempre vai ter meu apoio, independente de que o restante da família ainda não o aceite, eu, seu pai e seus irmãos sempre estaremos de mãos dadas com ele para tudo”, completa Rejane.

Para Goreth Vasconcelos, o período de negação até aceitar que seu filho mais novo era gay demorou um pouco mais. “Eu não conseguia aceitar que o Felipe (28) poderia ser gay. Percebi desde muito cedo, ainda quando ele era só uma criança, mas achava que com minhas orações ele poderia mudar”, conta Goreth, que sempre foi muito religiosa e chegou a pensar que o filho poderia seguir uma carreira sacerdotal.

Goreth reza todos os dias para que todas as pessoas LGBT+ possam sair de suas casas tranquilas

“Eu tinha uma expectativa de que o Felipe poderia de repente se apaixonar por uma colega da classe ou entrar para uma carreira sacerdotal, e isso, sem saber, eram fugas para não enxergar o óbvio, fugas para os meus preconceitos, que eram acompanhados de muitos medos também. Meu filho enfrentou muito bullying na escola, lembro de um episódio em que ele foi obrigado a jogar futebol com outros garotos na aula de educação física e saiu do jogo desmaiado depois de ser atingido por uma bola no estômago”, conta Goreth, que protestou na escola de Felipe depois do ocorrido. “Nunca aceitei que ninguém atacasse meu filho e vivia angustiada por mascarar para mim mesma o que estava bem ali na minha frente”, explica.

Goreth vê suas contradições. Ao mesmo tempo que não queria enxergar a identidade do filho, ela estava atenta aos movimentos sociais pelos direitos das mulheres, LGBT… Ao mesmo tempo que desejava um namoro para o filho, sabia, em segredo, que o filho tinha atração por outros garotos. “Até que no aniversário dele de 17 anos, ele chamou a mim e a irmã mais velha, Aryadine (33), e nos contou que era gay. Nós já sabíamos, mas foi importante ouvir da boca dele e, a partir dali eu entendi que nosso amor era mais forte que qualquer medo que pudesse me travar”, pontua Goreth, que também é umas das Mães pela Diversidade e reza todos os dias para que todas as pessoas LGBT+ possam sair de suas casas tranquilas, sem medo de ser quem são, assim como Felipe.

Goreth descobriu a Associação das Mães pela Diversidade em 2018, logo no início do movimento no Ceará, e milita contra a LGBTfobia junto às outras 69 mães do grupo. “Eu acredito na força do afeto, o amor de mãe mobiliza e enfrenta tudo. Eu tenho muito orgulho do caráter, da humanidade e da amorosidade do Felipe, eu olho para ele e sinto tanto, tanto orgulho que nem sei dizer, estamos sempre juntos, nas baladas, na Parada pela Diversidade e com ele eu topo tudo”, diz, entusiasmada.

Dione Mota compartilha do mesmo orgulho que Goreth e Rejane. Ela transborda alegria ao falar do filho. “O Levi me fez conhecer um mundo que eu desconhecia, e me abriu os olhos para toda uma pluralidade que eu nem imaginava que pudesse existir”, conta Dione, que também é uma das Mães pela Diversidade e milita ao lado do filho Levi (24) contra a LGBTfobia. “Eu tenho muito orgulho do meu filho e da forma como ele milita com seu corpo, suas atitudes e sua forma de se posicionar no mundo. Eu aprendo muito com ele e com meus outros dois filhos, Davi (33) e Lia (14), que me ensinam sobre respeito e coragem para se posicionar contra todo tipo de preconceito e discriminação.

Dione milita ao lado do filho Levi (24) contra a LGBTfobia

Ela explica que desde pequeno o Levi tinha um espírito muito artístico, e isso logo se revelou na sua profissão. “Hoje ele é professor de artes e faz diversas performances imprimindo na sua arte o seu orgulho por ser uma pessoa LGBT. Ainda adolescente, aos 14 anos, o Levi se assumiu como LGBT para nossa família, e foi um momento de muito aprendizado para todos nós. Eu tinha algumas barreiras por conta da minha criação mesmo, mas logo se dissiparam porque o que eu mais queria era estar junto do meu filho e também aprender sobre aquele universo que era muito novo para mim”, frisa Dione.

“O maior trunfo que nós temos para combater a LGBTfobia é o amor pelos nossos filhes. E nós, Mães pela Diversidade, demonstramos isso apoiando as causas da população LGBT+ e abrindo espaço em diversas esferas, seja na política, na arte. Onde não pudermos estar, que possamos, juntas, aprender a abrir caminhos com nossa voz, porque este movimento não é só sobre aceitar nossos filhes. É também sobre se posicionar para construirmos uma sociedade que respeite a diversidade, um mundo em que nossos filhes saiam de casa e nós não tenhamos que sentir medo de que eles não voltem”, conclui Dione Mota.