Serviço aos irmãos é ato de fé em Deus e na humanidade: dom José Antonio é condecorado com Medalha da Abolição

18 de maio de 2023 - 11:00

Larissa Falcão - Ascom Casa Civil - Texto
Helene Santos e Cival Júnior - Fotos

Arcebispo de Fortaleza há quase 25 anos será homenageado no dia 19 de maio, em solenidade no Palácio da Abolição

“Deus está dirigindo a gente desde o nosso primeiro momento de vida ou até antes disso. Nós não somos frutos do acaso. Deus nos cria e a cada um particularmente de uma maneira única”. É assim que o arcebispo de Fortaleza, dom José Antonio, descreve como, ainda na adolescência, compreendeu sua vocação. Dom José é um dos quatro homenageados com a Medalha da Abolição 2023, a mais importante comenda do Governo do Ceará.

“Nós, a humanidade, somos um corpo, e um corpo tem a cabeça que coordena a unidade e a saúde do corpo. É preciso trabalhar pela comunhão de todos; as ideias são diferentes, mas tudo isso deve ser recolhido para o bem comum. Para isso, eu dou o meu melhor de mim e cada um dá de si. A mensagem que eu digo para os cristãos é que se nós temos a força da fé e o desejo da humanidade ser uma só família, que a gente coloque isso como uma grande alma dentro do corpo da sociedade, independente das religiões. Essa Medalha não é para mim como pessoa, é para o corpo da igreja. Por que eu, sozinho, o que seria? O que teria feito? Nada. Quero que essa Medalha seja recebida pelo povo de Deus”, reconhece.

Nomeado em 1999 pelo papa João Paulo II como arcebispo de Fortaleza, dom José está há 24 anos em seu pastoreio, que é um dos mais duradouros da história centenária da Arquidiocese da Capital. Nesse período, ordenou 226 padres (diocesanos e religiosos) e sete bispos, além de criar 73 paróquias e áreas pastorais no Ceará.

“Já era proverbial que o povo cearense é muito acolhedor e hospitaleiro. E, de fato, desde o primeiro momento me acolheu. Um grande número de pessoas foi me esperar no aeroporto quando eu cheguei de Salvador. Ali, já percebi como abriram o coração. Isso eu experimentei durante todo esse tempo. O povo chega junto. Durante esses quase 25 anos, tenho percebido isso. Tudo que se pôde e pode fazer é servir o Reino de Deus, o anúncio do evangelho, e o testemunho da vida da comunidade cristã ”, reconhece.

A caminhada

Antonio Aparecido Tosi Marques nasceu no dia 13 de maio de 1948 em Jaú, no estado de São Paulo, sendo o primeiro dos seis filhos do agricultor Antonio Marques de Toledo e da professora Arminda Tosi Marques. A fé sempre foi o principal pilar dessa família que, em 1953, mudou-se para a cidade Barra Bonita.

“Eu nasci numa família em que minha mãe era cristã muito praticante e meu pai era batizado, mas não tinha uma religião definida, sempre procurava. Até os meus cinco anos de idade, morávamos na roça. Fomos para outra cidade porque meu pai buscava outro emprego e minha mãe também buscava uma vivência melhor na profissão dela”, recorda.

A nova cidade, que na época tinha quase cinco mil habitantes, permitia ao menino José Antonio chegar à igreja apenas atravessando a rua de casa. “Mas eu ainda não tinha pensado em ser padre. Isso aconteceu como um uma tomada de consciência com quase 14 anos de idade. Senti que minha vida só tinha sentido se eu fizesse uma coisa boa para os outros. Só pensando em mim, eu seria frustrado. Isso me levou a me envolver na comunidade. Até pensei em ser médico, mas não ficou definido. Um dia a coisa veio como uma revelação interior de Deus: se você quer ajudar os outros, dê sua vida inteira para isso”, afirma.

Para o pai, era preciso, antes de tudo, ter uma profissão. “Meu pai não era muito a favor, não era religiosamente muito praticante. Era um homem honesto, sincero e tinha conhecimento de algumas coisas, um autodidata, afinal de contas, tinha vindo da lavoura. Ele me bloqueou um pouco, mas foi com sabedoria, eu acredito. Então eu fui estudar, fazer um curso de técnico em Contabilidade. Foi interessante porque o encontro com as pessoas não me afastou”, revela.

Após cumprir o que o pai desejava, José Antonio entrou para o seminário e, em 1974, foi ordenado padre. E pôde desempenhar atividades junto à formação de outras pessoas, bem como fazia sua mãe. “Trabalhei na minha Diocese de origem, em São Carlos. Trabalhei no Seminário, na formação, durante 13 anos, sendo três como diretor espiritual e professor, e os outros anos como reitor e professor. Depois, fui transferido para uma paróquia, onde fiquei até 1991, quando fui nomeado bispo auxiliar do cardeal Lucas Moreira Neves, em Salvador, onde fiquei oito anos e meio”, conta.

“Seja feita a vossa vontade”

Em 1999, o então bispo auxiliar recebeu uma notícia inesperada: a nomeação como arcebispo de Fortaleza. Um chamado para quem sempre respondeu sim à vontade de Deus. “Um arcebispo tem uma responsabilidade enorme, mas, principalmente, em uma Capital. Mas uma coisa que marcou minha vida espiritual e caminhada de padre foi, justamente, fazer a vontade de Deus. Esse é o lugar onde Deus me colocou, então vamos caminhar juntos”, ressalta.

Ainda sobre a nomeação e posse, dom José Antonio destaca como foi suceder dom Aloísio Lorscheider e dom Cláudio Hummes, os Arcebispos anteriores. “Na primeira entrevista que dei, ainda em Salvador, para uma equipe de reportagem de Fortaleza, fui perguntado sobre qual seria meu plano de governo, qual linha eu iria seguir. Eu disse, olha, eu não tenho nenhum plano de governo, porque eu vou para uma igreja que já tem uma caminhada madura. Eu vou para somar com o povo de Deus, fazer o meu serviço, me doar, e aprender muito. Ouvir, sentir, pisar o chão, encontrar com as pessoas, e vestir a vida da igreja local”, conta.

Nessa trajetória, o arcebispo também acompanhou os pontificados de diversos papas, testemunhando mudanças importantes na sociedade e na igreja católica. Segundo ele, a sintonia com o papa é a base para que os cristãos se mantenham firmes no caminho da vocação.

“O que eu percebi dos cinco anos de criança até agora, é que Deus dá ao papa o que Ele sabe o que a igreja e a humanidade precisam e na hora que precisam. Papa João Paulo se abriu como missionário para o mundo inteiro. Papa Bento disse que precisava partir de Cristo, ter o fundamento da fé, porque seguir Jesus não é seguir uma ideia que fazemos de Jesus, é seguir o que Ele fala. Papa Francisco leva às conclusões concretas; nós temos que ser fiéis a Jesus Cristo, mas ser fiel a Jesus Cristo significa ser fiel à humanidade; uma igreja que vai ao encontro das pessoas na realidade social, econômica, política e cultural do povo, para ajudar com o evangelho uma vida mais digna e verdadeira”, cita.

A fidelidade e a proximidade foram fundamentais durante as ondas mais graves da pandemia da covid-19, pontua o arcebispo, com a necessidade de combater não só o vírus, mas a crise socioeconômica e a mentira.

“Fé e Ciência não são duas coisas contrárias, porque são aspectos da mesma e única verdade total. Aquilo que é realmente verdade, em qualquer canto, não pode ser contra a fé, e a fé não pode ser contra isso. Essa sintonia com as autoridades de saúde e de governo, para poder dar um suporte de colaboração e ajuda para o povo é nossa missão. Mas não só no sentido de levar a celebração por meio da mídia, mas com gestos concretos. Na pandemia, fizemos ações concretas de ir ao encontro das pessoas mais necessitadas, unindo forças para chegar às necessidades das pessoas em todos os sentidos”, defende.

Um passo, que segundo dom José, não se pode cansar. “A gente tem que continuar trabalhando na base das motivações das pessoas e da perseverança em voltar-se para os necessitados e as situações reais. É o caminho que a gente tem procurado fazer”, observa.

Comunhão

Atualmente, uma das maiores demonstrações da devoção dos fortalezenses é a Caminhada com Maria, evento religioso que acontece em 15 de agosto, o Dia de Nossa Senhora da Assunção, a padroeira da Capital cearense. A caminhada teve inspiração na orientação do papa João Paulo II, que propôs aos bispos do mundo inteiro eventos que retomassem o rosário. Em Fortaleza, a ideia se consolidou diante da necessidade de um marco para uma maior comemoração da padroeira dentro dos cem anos da Arquidiocese de Fortaleza, que também buscava resgatar a origem mariana da cidade.

“Nós pensamos em refazer a caminhada feita pelos primeiros moradores e pescadores que, após a expulsão dos holandeses, trouxeram, em caminhada pela praia, a imagem de Nossa Senhora [do Amparo], que estava no primeiro forte construído pelos portugueses, e fizeram uma capelinha dentro do Forte que era protestante. Agora, o Forte era dedicado à Nossa Senhora, com o título glorioso para a Nossa Senhora, que não era apenas do Amparo, mas da Assunção, vitoriosa no céu. Ao redor desse Forte nasceu a cidade”, explica.

A primeira edição foi realizada em 2003, saindo do Santuário de Nossa Senhora da Assunção até a Catedral Metropolitana de Fortaleza. Ano após ano, mais fiéis foram atraídos para fazer o percurso de mais de 12 quilômetros. Na última edição presencial antes da pandemia, em 2019, foram mais de dois milhões de pessoas caminhando em comunhão. “Quando eu fui numa visita ao papa Bento XVI, contei a ele que estávamos chegando a dois milhões de pessoas [na Caminhada com Maria]. Ele, que estava sentado, levantou e abriu os braços admiradíssimo diante da receptividade”, lembra.

Para dom José Antonio, que está na expectativa de voltar a realizar a Caminhada com Maria de forma presencial neste ano, o evento simboliza uma cidade que se expande muito rápido, mas também se fortalece na união e na vivência cristã. “Se a cidade nasceu sob as bênçãos de Nossa Senhora, que a cidade tome sempre consciência que há uma alma nessa cidade que precisa ser cultivada, não só seu corpo. A cidade cresce e se desenvolve de uma maneira extraordinária. Dom Aloísio dizia: a cidade nos engole. Nós chegamos sempre atrasados na evangelização e no atendimento ao povo. Acredito que para o governo cível deve ser um desafio enorme. Mas a cidade precisa ter uma alma de vida e de ideal”, conclui.

Medalha da Abolição

A comenda, instituída em 1963, é concedida pelo Governo do Estado em reconhecimento ao trabalho relevante de brasileiros para o Ceará e o Brasil. A solenidade de entrega será realizada no dia 19 de maio de 2023, no Palácio da Abolição, em Fortaleza.