‘Possibilidade de serem discriminadas ou agredidas contribui para impedir que pessoas LGBTQIA+ procurem atendimento em saúde’, alerta especialista

28 de junho de 2021 - 14:23 # # # # # # #

Ascom Sesa -Texto
Iza Machado -Arte gráfica

Preconceito, intolerância, desrespeito, ódio. São muitas as causas (e consequências) que fazem com que a população LGBTQIA+* evite procurar atendimento nas unidades públicas de saúde – equipamentos que devem acolher a todes. Alguns profissionais movidos por questões morais e religiosas, tratando questões relativas à sexualidade e a gênero como “doença” ou “desvio”, por exemplo, podem acarretar danos físicos e psíquicos a estas pessoas.

Nesta segunda-feira (28), no qual a comunidade LGBTQIA+ celebra a diversidade, exige respeito da sociedade e o fim da discriminação contra a pluralidade sexual e de gênero, a Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) traz uma entrevista com Henrique Luz, psiquiatra e especialista em Terapia Sexual pela Sociedade Brasileira de Estudos em Sexualidade Humana (SBRASH).

“Torna-se essencial a capacitação e o treinamento contínuos de profissionais das mais amplas áreas para acolher respeitosamente as pessoas LGBTQIA+, para que saibam abordar adequadamente as especificidades dessa população, para que se possa garantir a promoção da saúde integral, eliminando a discriminação e o preconceito institucionais”, afirma Luz.

Henrique Luz é psiquiatra e especialista em Terapia Sexual; o profissional também atua no Hospital de Saúde Mental Professor Frota Pinto (HSM)

A data marca o levante contra a perseguição policial às pessoas LGBTQIA+ após episódio de violência ocorrido em 1969, em Nova York, no bar Stonewall Inn. Frequentadores do local foram hostilizados durante batida policial motivada por intolerância.

*A sigla é utilizada para representar lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, transexuais, travestis, população queer, intersexuais, assexuais, além de outras sexualidades e gêneros que destoam dos padrões heterosexuais (quando a pessoa sente atração sexual por outras de um gênero diferente do seu) e de cisgeneridade (quando a pessoa se reconhece com o gênero que lhe foi atribuído ao nascimento).

Confira a entrevista na íntegra

De que forma a celebração do Dia do Orgulho LGBTQIA+ elucida a população em relação a temas ainda estigmatizados, como sexualidade e gênero?
A celebração desta importante e histórica data torna mais explícita e enfática a visibilidade de existências e expressões da sexualidade que, no transcorrer do tempo, sofreram (e ainda sofrem) tentativas de aniquilamento por não corresponderem ao ideal arbitrário da heterossexualidade (quando a pessoa sente atração sexual por pessoas de um gênero diferente do seu) e da cisgeneridade (quando a pessoa se reconhece com o gênero que lhe foi atribuído ao nascimento). Assim, essas manifestações que expõem, promovem e disseminam o orgulho trazem novas visões sobre ser LGBTQIA+, favorecem e legitimam as pluralidades das sexualidades e contribuem para a emergência de questionamentos e debates que mobilizam a cultura a reconhecer e valorizar a diversidade sexual.

Algumas pessoas questionam o porquê da sigla estar aumentando. A que se deve essa ampliação e qual a importância dessa representatividade?
A ampliação e as adaptações realizadas na sigla permitem a inclusão das várias possibilidades de orientações sexuais e identidades de gênero que, apesar de existentes, estiveram invisibilizadas e oprimidas. Somos seres de linguagem, marcados por referenciais simbólicos, então, além de um valor de nomeação, tão importante para os nossos processos subjetivos de identificação e pertencimento, as letras que compõem a sigla também comportam um ato político, o que viabiliza, por exemplo, a busca por direitos que possam contemplar as especificidades dos diversos grupos.

De que forma o preconceito, a intolerância e o ódio contra a população LGBTQIA+ interfere na saúde pública e como podemos combater este crime?
O preconceito, a intolerância e o ódio podem se manifestar desde o desrespeito ao uso do nome social de uma pessoa transgênera até expressões verbais e físicas de impressionante agressividade. A possibilidade de serem discriminadas, constrangidas e, até mesmo, agredidas contribui para impedir que muitas pessoas LGBTQIA+ procurem atendimento em saúde. Profissionais mal treinados e movidos por questões morais ou mesmo religiosas geralmente não se mostram acolhedores às minorias sexuais, podendo cometer, inclusive, o grave erro de ver a diversidade sexual como “doença” ou “desvio”, o que pode acarretar catastróficos danos físicos e psíquicos, fazendo com que, cada vez mais, pessoas LGBTQIA+ se esquivem de buscar os equipamentos de saúde. Torna-se essencial a capacitação e o treinamento contínuos de profissionais das mais amplas áreas para acolher respeitosamente as pessoas LGBTQIA+, para que saibam abordar adequadamente as especificidades dessa população, para que se possa garantir a promoção da saúde integral, eliminando a discriminação e o preconceito institucionais.

Quais são os principais relatos da população LGBTQIA+ em relação à saúde? E em relação à saúde mental?
É importante ressaltar que a população LGBTQIA+ pode padecer das mesmas condições físicas e psíquicas que as demais pessoas, devendo haver acesso à assistência de forma igualitária independentemente de qualquer fator. Contudo, é evidente que, quando comparada à população geral, as minorias sexuais sofrem estressores adicionais, relacionados ao estigma, ao preconceito e à marginalização, o que deflagra efeitos danosos sobre a saúde mental, aumentando em duas a três vezes o risco de se ter alguma condição psiquiátrica (como quadros de ansiedade, depressão, uso problemático de substâncias psicoativas etc.), conforme demonstram estudos sobre estresse de minorias.

Como o sistema de saúde pode atuar para acolher da melhor forma esta parcela da população?
Antes de mais nada, é basilar o entendimento de que a fonte mais importante para se saber a melhor forma de acolher e assistir pessoas LGBTQIA+ é a própria população que faz parte desse grupo. Assim, é crucial consultar e ouvir o que as pessoas têm a dizer a respeito do que precisam e demandam, tornando-as participantes dos espaços e processos relacionados ao sistema de saúde. Ademais, para indicar alguns caminhos, posso colocar que, além do que já foi mencionado sobre a realização de programas de educação e capacitação continuadas dos profissionais de saúde, também podem ser desenvolvidas e propagadas campanhas específicas sobre os cuidados em saúde às pessoas LGBTQIA+, tornando os serviços mais acessíveis, livres de julgamentos de quaisquer naturezas, bem como o empreendimento de trabalhos de educação e orientação em saúde junto às famílias, escolas, universidades, instituições empregadoras, meios de comunicação etc.

Qual o papel da família de uma pessoa LGBTQIA+ no processo de humanização deste tema?
A família desempenha papel fundamental e de extensa amplitude. O acolhimento e a aceitação familiares estão diretamente associados à qualidade da saúde mental e podem operar, por exemplo, como fatores protetores contra adoecimento psíquico e risco de suicídio. Os profissionais de saúde podem, inclusive, conceder suporte e educação à família, favorecendo a comunicação, a desconstrução dos preconceitos, intervindo sobre o risco de exclusão familiar, permitindo a instauração e a manutenção de relacionamentos estáveis e significativos.

No Ceará, em 2019, o Estado assinou lei que garante direito à identificação de pessoas trans pelo nome social. Recentemente, tornou-se crime a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero nos espaços públicos e privados. Que outros avanços podemos ter?
São conquistas importantíssimas, sem dúvida, mas ainda insuficientes, considerando-se a complexidade das questões. É impossível de serem abordados aqui todos os avanços ainda necessários, mas posso pontuar, por exemplo, que é urgente a instituição de políticas públicas, não meramente paliativas, mas impreterivelmente consistentes e contínuas que, além de uma assistência integral à saúde, proporcionem efetivo suporte social, quebra de obstáculos que dificultam o acesso das pessoas LGBTQIA+ à educação e ao mercado de trabalho, estratégias e ações que as tornem participantes valorizadas, atuantes e visíveis em toda a vastidão da esfera social.