Especial Virando o Jogo #05 | Para se espelhar: o trabalho-referência dos articuladores sociais

8 de abril de 2022 - 14:22 # # # #

Ascom Vice-goovernadoria - Texto e fotos

“Eu me vejo em você”. É com uma frase de efeito marcada pelo sentimento de alteridade que a articuladora social Francisdene da Silva Barros, a Fran DDK, tenta traduzir o elo estabelecido entre ela e os jovens em situação de vulnerabilidade socioeconômica inseridos no projeto Virando o Jogo – Superação. Aos 30 anos, a rapper, cantora, pesquisadora de juventudes periféricas e ativista cultural, que também veio da periferia, sabe exatamente o tamanho do esforço necessário para conseguir escapar das mais frágeis condições de vida e agarrar oportunidades de transformação individual ou coletiva.

“Hoje sinto orgulho dobrado por trabalhar no projeto Virando o Jogo, justamente porque já fui essa menina que abandonou a escola, engravidou precocemente, se meteu com drogas, chegou a descer para a Febem e quase jogou fora a sua juventude até aparecer uma tábua de salvação, um estímulo para mudar de vida. No meu caso, o microfone passou a ser a minha arma, meu modo de dizer sim à vida e não às injustiças sociais”, declara Fran, enfatizando que foram o rap e os movimentos sociais os responsáveis pela sua guinada pessoal.

“Jovem quer se sentir inserido e aceito em um grupo, é simples assim. Então, quando ouvi aquela música falando da realidade da favela veio uma identificação imediata. Havia chegado no fundo do poço com as drogas, tinha uma filha bebê ainda quando vendi quase tudo dentro de casa para sustentar o vício. Vivi uma guerra biológica e espiritual para reorganizar minha vida e não tenho dúvida que a cultura de rua e o engajamento político no Levante Popular me salvaram. As letras que hoje escrevo são sobre essa capacidade de resistência que vem da periferia, esse sangue no olho que o jovem tem para enfrentar e combater as desigualdades”, emenda a rapper que tem piercing – e não papas – na língua.

Para Fran, o projeto Virando o Jogo também é esse espaço aberto para recomeços, reelaboração de planos e reativação de sonhos interrompidos precocemente. “No caso dos nossos jovens, que estão sendo acompanhados por essa equipe multiprofissional da qual faço parte, penso que a virada vem a partir de uma política pública de inclusão social que envolve não só capacitação profissional, como formação cidadã, ação comunitária, cultura e esporte, uma combinação muito feliz e potente capaz de reverter a evasão escolar e trazer perspectiva de futuro para essa moçada que estava ao léu, sem estudar nem trabalhar. Do mesmo jeito que eu tive uma chance lá atrás de mudar a minha vida, eles estão tendo agora. Perdi muitos amigos com força de vontade, mas que não tiveram oportunidades e agora posso ajudar a reescrever essa história”, vibra.

A história, diga-se de passagem, já é outra. “Vejo jovens que vendiam água no sinal para sobreviver, como eu também já fiz, saindo dessa condição com a ajuda de custo que ganham no projeto Virando o Jogo. Tem mãe de aluno nosso que vem agradecer porque o filho voltou a querer estudar e botar dinheiro em casa, arrumando trabalho. O jovem entra aqui enxergando só o cifrão, mas depois se envolve com cada fase do processo formativo e sai transformado. É por isso que me vejo em muitos participantes e sei que vão virar o jogo”, torce a articuladora social que hoje, além de trabalhar no projeto Virando o Jogo, grava discos, tem agenda de shows a cumprir em Fortaleza e viaja pelo Brasil disseminando o rap pelos mais diversos palcos.

Virando o Jogo te dá asas

Ele tem um par de asas tatuadas nas costas e o rap na veia. Há cinco anos, Hérmison Aécio Temóteo, o A.C. Wing, 32, “voa” junto e de mãos dadas com a rapper Fran DDK, com quem tem uma filha. O romance do casal de articuladores sociais do projeto Virando o Jogo começou com um escambo: ele ensinava artes marciais para ela e, em contrapartida, tinha aulas de gramática. “Desde aí entendi que seria pela educação e pelo amor que mudaria a minha vida”, conta, rindo-se, o lutador de jiu jitsu, box e muay thai que fez questão de casar no civil e no religioso, apesar de uma declarada decepção com a “hipocrisia” da igreja.

Com Fran, A.C. também fez uma família bem diferente da sua. “Nasci em Fortaleza, mas sou cria da Jurema, em Caucaia. Só morei com meus pais até os nove anos, depois fui mandado para minha avó. Minha mãe me dava remédios controlados quando eu era criança, dizendo ela que era para me acalmar, mas depois entendi que estava mesmo era buscando um meio de aposentadoria e pra isso usava os filhos. Vivi de casa em casa numa família de aglutinados e apanhava de todos os meus primos por ser um agregado. E assim me tornei aquele menino que só brigava na escola e andava com os ‘errados’”, conta.

Até ser contratado pelo projeto Virando o Jogo como articulador social, A.C. sobreviveu na corda-bamba, entre trabalhos temporários como segurança e bicos: vendeu água em sinal, fruta na praia, descarregou caminhão em supermercado. “Tem muita história parecida com a minha aqui no Virando o Jogo, gente que, como eu, chegou a passar fome. E é por isso que percebo a importância de sermos referência não só diante das dificuldades, mas também como figuras de superação, já que, através de nós, esses jovens passam a acreditar que é possível trabalhar de forma digna na própria periferia”, aferra.

Assim como Fran DDK, foi na batida do rap e do trap, mas também junto ao Movimento Levante Popular da Juventude, que tomou consciência para fazer a vida mudar. “Quando comecei a me politizar e a escrever letras de música minha vontade de transformar tudo ao meu redor só aumentou. Por isso acho tão importante haver formação cidadã no projeto Virando o Jogo, além de capacitação profissional. Me emociono quando vejo a moçada assumindo o seu primeiro emprego com carteira assinada como Jovem Aprendiz do Banco do Nordeste, porque aqui aprenderam também que é preciso não só crescer individualmente, mas trabalhar para que a comunidade como um todo possa ter maiores chances de crescimento. Comecei como voluntário do projeto Virando o Jogo e a contratação veio como consequência. Porque o mais importante é ajudar a virar esse jogo que jogamos juntos e não isolados”, sustenta o anfitrião daquela tarde na Casa de Missão Ana e Edméa, no bairro São João do Tauape, um dos equipamentos da periferia de Fortaleza que abraça o projeto Virando o Jogo – Superação.